quarta-feira, 23 de agosto de 2017

A única reforma política séria seria obrigar a ter vergonha na cara

Seria muito simples fazer a reforma política de verdade no Brasil. Bastaria adaptar decreto atribuído ao historiador cearense Capistrano de Abreu (1853/1927), cujo teor é curto e grosso: “Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara.” Parágrafo único: “Revogam-se as disposições em contrário.”

Como o projeto de Capistrano é ambicioso demais, adaptemos seu teor ao mundo político e determine-se que “todo político é obrigado a ter vergonha na cara”.

Distritão, semipresidencialismo, parlamentarismo e todas as demais variantes que entram e saem todos os dias do noticiário não passam de tentativas canhestras de perpetuar-se no poder dos que demonstram diariamente não ter vergonha na cara.

Nem dá para reclamar deles ou só deles. Todos foram devidamente eleitos em pleitos livres e justos, as duas palavrinhas com as quais a comunidade internacional carimba eleições que seguem os cânones da democracia.


Em sendo assim, vale o decreto de Capistrano de Abreu: ou o eleitor toma vergonha na cara e passa a vigiar os eleitos para não repetir o voto em vigaristas ou o Brasil continuará a ser “a merda que é”, para usar refinada definição de alguém que se gaba de conhecer profundamente o Brasil e que foi eleito duas vezes para comandá-lo.

Você sabe que estou falando de Luiz Inácio Lula da Silva e de sua frase da semana passada que acaba sendo uma autocrítica: se o PT ficou 13 anos no poder e o país “é a merda que é”, a culpa é só do Michel Temer?

É verdade que o atual presidente afundou ainda mais o pé na lama e demonstrou, pelo menos naquela audiência clandestina com Joesley Batista, carecer da “vergonha na cara” exigida pelo historiador cearense.

Mas, sejamos justos, o mundo político brasileiro é um desastre de proporções colossais faz muito tempo, antes de Lula, com Lula, depois de Lula, com Temer.

A discussão em curso sobre reforma política não passa de uma tentativa de perpetuar um corpo apodrecido com uma nova roupagem.

Não pode ser tarefa para um Congresso desmoralizado pelo envolvimento de um bom número de seus integrantes com o esquema de corrupção desnudado pela Lava Jato. Na verdade, o que se está tentando, conforme apontam dia sim, outro também, os melhores analistas da realidade brasileira é blindar os atuais parlamentares.

O distritão de que tanto se fala é um tal excrescência que torna admirável até o modelo em vigor, que está longe de ser de excelência.

O fundo de R$ 3,6 bilhões proposto é outra excrescência, maior ainda quando se sabe que o orçamento de 2017 do Congresso Nacional é de R$ 10,2 bilhões ou quase três vezes mais.

Em um país em que os políticos tivessem vergonha na cara, esses recursos seriam usados para financiar o funcionamento dos partidos e de seus representantes no Parlamento e fora deles, como se faz na Alemanha (aprendi em texto do jornalista Sérgio Rondino).

Como não parece haver a menor chance de o “decreto Capistrano de Abreu” emplacar, resta torcer para que os congressistas se cansem do debate e deixem “a merda que é” do jeito que está, sob pena de aumentar mais ainda o fedor.

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