Olhando de perto as coisas ficam mais claras. A lei do abuso de autoridade está sendo conduzida por Renan Calheiros e será votada por gente que, como ele, está correndo da polícia por implicações em vários crimes. Ela não é urgente. Nem se pode dizer que a existência da Lava Jato a justifique. A quase totalidade das questões levantadas contra a operação foi rejeitada pelo Supremo. Renan Calheiros convidou Sergio Moro para debater a lei de abuso da autoridade. No fundo, quer a presença do juiz para legitimar um processo que ele controla, pois conhece seus pares e sabe que a grande tarefa do momento é neutralizar a Lava Jato. Renan Calheiros deveria ser julgado e preso. No entanto, decidiu enfrentar o Judiciário.
Sua ideia de criar uma comissão para coibir super salários é correta. Os supersalários são ilegais. É mais uma situação delicada na qual precisamos navegar. Não se pode bombardear a ideia de aplicação da lei nem considerá-la uma afronta ao Judiciário. É apenas uma lei que não pegou, mas precisa pegar.
É muito possível que Renan queira enfrentar o Judiciário. E que conte com a ajuda do Palácio do Planalto. Mas aí, no meu entender, reside a loucura principal. Renan tem 12 processos no Supremo. Qualquer um deles poderia resultar em sua cassação e numa temporada na cadeia. No entanto, ele desafia e até ironiza seus aliados mais discretos, como Jucá, dizendo que já esgotaram sua cota de coragem. Não há dúvida de que Renan está sendo corajoso, jogando sua carreira e liberdade enquanto os outros se escondem.
Mas se Renan é tão corajoso, o que dizer do Supremo? Ostenta o oposto simétrico da coragem?
A cúpula do PMDB, Renan à frente, decidiu enfrentar a Justiça, dobrá-la de acordo com seus objetivos. Para isso conta com o exército de investigados por crimes diversos, gente que também deveria já estar condenada pelo próprio Supremo. Sendo bastante realista, é possível concluir que, se os corruptos vencerem a parada, triunfaram, na verdade, farão do STF um poder artificial, sem a garra necessária para enfrentar as quadrilhas que habitam a mesma praça.
Outra loucura é a história de anistiar o caixa 2. Sempre defendi a tese de que a História não recomeça do zero, que é impensável destituir todos os políticos, abrindo espaço para aventuras mais perigosas ainda.
A delação da Odebrecht é uma promessa de fim de mundo. Mas não será. Entre os nomes da lista, há os que receberam dinheiro em troca de favores oficiais – consequentemente, prejuízo para o País. Mas há também os que talvez tenham recebido sem dar nada em troca, até registrando as doações nas contas de campanha.
Entre os que não registram doações, há os que recebem dinheiro legalmente obtido pelos doadores. E há os que recebem dinheiro de origem ilegal, como, por exemplo, nas áreas do tráfico de drogas e milícias.
Tudo isso, de alguma forma, já é contemplado pela legislação brasileira. Fazer uma lei a toque de caixa para anistiar precisamente o caixa 2 pretérito não é a melhor saída para enfrentar o problema da extinção da espécie. O mais prudente é esperar a delação da Odebrecht, desejando que saia o mais rápido possível, e, em função da realidade, separar mortos e feridos, arranhões e fraturas expostas.
Quanto ao abuso de autoridade, a lei deve ser modernizada. Mas, no meu entender, não é esse o ponto principal. O problema no Brasil é a indiferença. Basta olhar para todos os cantos com o rigor com que advogados, políticos e imprensa olharam para a Lava Jato para perceber que o buraco é mais embaixo: o abuso de autoridade é uma realidade cotidiana tão presente que parece um fato da natureza. Lula já reclamou até na ONU: milhares que sofreram real abuso não chegaram nem à delegacia da esquina.
Julgar e prender Renan Calheiros, acabar com os supersalários, onde quer que existam no Estado, falar de legislação sobre caixa 2 após a delação da Odebrecht e, finalmente, avaliar abuso de autoridade com os olhos de um cidadão, e não de bandidos fugindo da polícia, são passos que, no meu entender, trariam mais lógica ao processo.
A não ser que esteja um pouco louco também, o que é possível neste mundo caótico.
Como entender o argumento de Temer contra a prisão de Lula? Segundo ele, não é bom quando movimentos sociais questionam o Judiciário. Se for assim, líderes de movimentos sociais têm imunidade. E se consideramos a expressão movimentos sociais em sentido mais amplo, a imunidade vale para líderes religiosos, cantores com multidões de admiradores – enfim, damos uma cotovelada na República, como presente de aniversário. No fundo, ele queria dizer “não façam isso no meu plantão, já está confuso demais”. Mas teria de encontrar outro argumento ou, como fazem os presidentes, não se manifestar sobre um processo em curso na Justiça.
Se queria ajudar Lula, acabou prejudicando, pois associa sua liberdade não a presumível inocência, mas à fúria dos movimentos sociais. Se queria atemorizar os juízes, acabou provocando. É duro substituir Dilma nos desastres verbais, mas Temer está fazendo todo o possível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário