O partido que veio para mudar a cara do Brasil não consegue mais se entender e os motivos pelos quais seu projeto de poder jogou o País no caos transparecem claramente nas divergências cada vez mais insanáveis em torno das quais se engalfinham os vários grupos que compõem a legenda. Enquanto o PT esteve no poder, bem ou mal havia uma razão para sustentar alguma coesão entre suas principais correntes. Mas, a partir do momento em que, refletindo a sentença implacável dos brasileiros – ao final contundentemente confirmada nas urnas municipais –, as instituições republicanas apearam o lulopetismo do pedestal em que pretendia se perpetuar, o PT não conseguiu mais se livrar do estigma que persegue a esquerda populista, de modo especial, nas democracias do chamado Terceiro Mundo: a incapacidade de articular suas várias tendências em torno de um objetivo político comum. É claro que essa conjectura depende de que se aceite o discutível princípio de que o lulopetismo, facção dominante do PT, constitui efetivamente um movimento político de esquerda.
O PT está dividido em duas grandes tendências: de um lado o grupo majoritário, Construindo um Novo Brasil (CNB), comandado pelo carismático pragmatismo e pela mão de ferro de Lula. De outro, as correntes ditas ideológicas reúnem-se no Movimento Muda PT, para o qual “sem mudar, o PT não conseguirá cumprir o papel de instrumento de emancipação da classe trabalhadora brasileira e de esperança para as novas gerações que lutam por democracia e direitos da cidadania”. É o que afirma, em jargão característico, artigo do deputado e ex-ministro Pepe Vargas (RS), publicado no site da facção Mensagem ao Partido, a segunda maior do PT.
Sob o título É proibido falar de PED?, Vargas condena o Diretório Nacional, que por inspiração de Lula, na tentativa de manter o partido unido, “jogou uma ducha de água fria em quem acreditava em mudanças” na legenda. PED é a sigla para Processo de Eleições Diretas, sistema interno de escolha de dirigentes por meio do qual Lula e sua turma mantêm desde sempre um rigoroso controle do PT. A CNB defendia a manutenção do PED, rejeitado pelo Muda PT sob a alegação de que é um sistema “manipulado” pelo alto comando do partido. Para contemporizar, Lula articulou então uma mudança no sistema, por meio da qual só serão eleitos doravante os dirigentes municipais, que se encarregarão de deflagrar o processo indireto de escolha das instâncias dirigentes superiores do partido.
O Muda PT, no entanto, não está satisfeito com a “gambiarra” de Lula, como mostra o artigo de Vargas: “A eleição dos delegados ao Congresso através do método do PED permite a manutenção de práticas que precisam ser abolidas definitivamente da vida partidária (...) uma versão petista dos tradicionais currais eleitorais”.
Essa queda de braço entre a CNB e o Movimento Muda PT espelha a grande cisão provocada pela crise na qual o partido está mergulhado. De um lado, o grupo majoritário submisso à vontade de Lula que impôs inicialmente ao País um programa de governo populista que objetivava primordialmente consolidar o projeto de poder do lulopetismo. De outro lado, principalmente a partir de seu segundo mandato, Dilma Rousseff – assessorada pela esquerda petista – achou que tinha força e competência para dar ao populismo de seu criador e antecessor um acentuado conteúdo ideológico consubstanciado na “nova matriz econômica” que levou o governo à gastança desenfreada e a economia brasileira ao fundo do poço.
Transformado em partido sem voto, o PT e suas várias correntes se curvam agora à evidência de que precisam se reinventar para sobreviver. Mas Lula e sua turma dificilmente abrirão mão do comando, pela razão óbvia de que o PT é Lula e vice-versa. E a esquerda, por sua vez, não consegue nem administrar a soberba, como está claro na manifestação de Pepe Vargas: “O PT é atacado pela classe dominante e seus aparatos de dominação menos pelos erros do que por seus acertos no governo, ao promover a inclusão social e o desenvolvimento soberano do País”. Pois foram exatamente os extraordinários resultados da fantástica “inclusão social” e do espetacular “desenvolvimento soberano do País” que transformaram o PT em partido sem voto.
Editorial - O Estadão
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