“Se há uma palavra que o Brasil necessita é catarse”,escreveu Juan Onís neste jornal. Uma catarse capaz de expulsar seu mal-estar social e aliviar as tensões do grupo.
O mecanismo de transferência de tensões e culpas de uma família ou coletividade, através da escolha de alguém que é feito responsável por elas, não supõe a total inocência do grupo. O bode expiatório tampouco é sempre merecedor de arcar com o peso de todas as culpas.
Com esse rito de expiação, a sociedade pode desencadear sentimentos narcisistas de superioridade moral. A culpa seria apenas do sacrificado no altar das vítimas.
No caso concreto do Brasil, essa mesma sociedade que, segundo os especialistas, estaria buscando um bode expiatório, poderia se perguntar se ela também não é culpada por seus silêncios do passado frente à corrupção e sua condescendência com os piores políticos a quem sempre reelege.
Lembram-se da pergunta inquietante de anos atrás (“Por que não há indignados no Brasil?”), enquanto as praças de outros países se enchiam de manifestantes exigindo a renovação da velha política.
A vítima escolhida como bode expiatório costuma ser a pessoa mais vulnerável do grupo, que acaba aceitando sua missão salvadora, mas também pode ser escolhido um sujeito ativo e até mesmo altaneiro, que nunca aceitaria sua condição de vítima. Nesse caso, a condição seria imposta pela comunidade.
Se os analistas estão certos, parece evidente que esse rito expiatório, que atenuaria a tensão e produziria uma catarse, seria a saída da presidenta Dilma.
Neste momento, é a pessoa que apresenta, de fato, maior tendência de solidão e isolamento. Sua aprovação popular é das mais baixas na história dos presidentes; boa parte dos que votaram na reeleição hoje se diz arrependida. Existe a crença de que ela mentiu para poder se reeleger, ocultando os problemas que o país já sofria. Está a ponto de ser abandonada por seu partido, como ficou claro quando não quis comparecer à comemoração do trigésimo sexto aniversário de sua fundação. O PT, que a elegeu, apresentou um programa econômico oposto ao do Governo.
Talvez seja a primeira vez que um presidente da República se vê estigmatizado por seu próprio partido, enquanto a maior formação da coalizão governista, o PMDB, exibiu ao país um programa de propaganda eleitoral de oposição e quase de ruptura com o Governo. Quem restou para apoiá-la?
Dilma é consciente de que tudo caminha para que ela seja o bode expiatório que deveria ser sacrificado para apaziguar a sociedade irritada e descontente. Daí suas repetidas frases apelando à sua inocência, à sua retidão ética, ao “não tenho contas na Suíça”, embora hoje essa afirmação venha manchada pela detenção de seu marqueteiro e assessor de todas as horas, João Santana, e de sua esposa, que tinham contas ocultas na Suíça que talvez serviram, com ou sem conhecimento de Dilma, para ajudá-la a se reeleger.
O “se”, o “como” e o “quando” a presidenta poderia se ver obrigada a deixar o poder é um longo caminho, político e judicial, que poderá ser melhor conhecido com a adesão ou não da sociedade ao protesto convocado para o dia 13, com a participação de partidos da oposição, para pedir sua saída da Presidência.
A espada de Dâmocles continua ameaçadora sobre a cabeça de Dilma. Será ela capaz de sair ilesa da batalha, como já fez outras vezes? O problema é que não depende só de sua tenacidade, nem sequer de sua suposta inocência, e sim da constatação coletiva de que, com ela, o país poderá seguir ingovernável e cada vez mais empobrecido.
Os que ainda a defendem chamam isso de “golpe”. Para a psicologia, é “uma transferência de culpa por meio de um rito expiatório”.
Onde ficaram os velhos sonhos de um Brasil que acreditava ter alcançado o futuro, mas que ainda se vê preso num presente cada vez mais incerto e obscuro?
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