O Lula da Paulista, que traduziu admiravelmente, em linguagem corrente, a defesa do princípio da pluralidade, é o falso. Na avenida, discursava um personagem acuado pela divulgação de seus diálogos telefônicos comprometedores, que pretendia restabelecer uma ponte com o Supremo Tribunal Federal (STF). O Lula verdadeiro emerge nas interceptações obtidas legalmente, a pedido do Ministério Público e com ordem judicial. Esse Lula sem censura, despido de fantasia pública conveniente, que utiliza a linguagem de um leão de chácara, revela-se como o chefe de uma facção consagrada à intimidação do Poder Judiciário e do Ministério Público.
O Lula de verdade forjou um PT arrogante, autoritário, que restaura práticas abomináveis dos antigos partidos comunistas e de movimentos de inspiração fascista. Nos atos “contra o golpe”, militantes empunhavam cartazes nos quais o rosto do juiz Sergio Moro fundia-se à imagem de Hitler. É esse PT, das ofensivas de difamação e das campanhas orquestradas de intimidação, que experimenta uma avassaladora rejeição popular.
O governo de Dilma e Lula não cairá devido às pedaladas fiscais, mas como consequência de uma ruptura mais profunda. Depois de brigar com a opinião pública, o partido de Lula brigou com a imensa maioria do eleitorado e, na curva do desespero, com o alto funcionalismo responsável pelos órgãos de controle do Estado. Os juízes federais fizeram manifestações de desagravo a Moro. A associação de delegados da Polícia Federal alertou que não se submeterá ao cabresto prometido pelo novo ministro da Justiça. A OAB nacional tomou posição favorável ao impeachment, seguindo a mesma trilha de entidades representativas da indústria, do comércio e de categorias profissionais.
Entretanto, a verdade não perde seu valor intrínseco quando é veiculada por um farsante. O princípio da pluralidade, enunciado pelo Lula falso da Paulista, tem plena validade, tanto na ordem em que foi exposto quanto na ordem inversa. Os que “não gostam” do impeachment são “tão brasileiros” quanto os que o defendem. Os militantes petistas e sua base de apoio pertencem à sociedade nacional, isto é, não são estrangeiros ideológicos, “impatriotas” ou “traidores”. Não fazem parte de uma “organização criminosa”, a ser debelada a golpes judiciais ou policiais.
Certamente, como atestam as provas colhidas pela Lava Jato, coagulou-se na cúpula do lulopetismo uma organização criminosa com extensas ramificações políticas e empresariais. Contudo, a organização criminosa não deve ser identificada ao próprio PT, como propõe uma narrativa emanada de correntes de opinião que semeiam o extremismo no solo fértil da indignação popular contra a corrupção. O PT é um partido que nasceu na transição da redemocratização, propiciando a confluência entre o sindicalismo do ABC e inúmeras correntes de esquerda. Na sua evolução até o poder, ele passou a refletir a persistência de projetos políticos enraizados na trajetória do Brasil moderno: o capitalismo de Estado, o populismo, o corporativismo. Isso não é um “caso de polícia”, mas um caso de política.
Os “atos contra o golpe”, um cortejo fúnebre do ciclo de poder lulopetista, evidenciaram a cisão entre o PT e a maioria do país. Mas, na sua relativa imponência numérica, enviaram uma mensagem que deve ser escutada. Havia, ali, muito mais que sindicalistas, militantes de “movimentos sociais”, funcionários em cargos comissionados e pobres coitados seduzidos por trinta dinheiros. No outono de sua influência política, o PT mobilizou quase 300 mil manifestantes, cerca de um décimo dos que protestaram pelo impeachment, realizando os maiores atos públicos de sua história. O Lula falso, que se dirigiu à multidão na Paulista, não está só. Atrás dele, há uma corrente legítima de opinião.
Não se deve confundir uma vírgula com um ponto final. A Odebrecht, sem alternativas, resolveu confessar. A nossa Operação Mãos Limpas chega a seu ápice e, se não for detida, exporá também as organizações criminosas periféricas, que operam em quase todo o espectro partidário. O Lula de verdade, que trama nas sombras contra o sistema de Justiça, será levado nessa avalanche necessária. Depois de tudo, emergirá um Brasil um pouco melhor, no qual a política terá um lugar fora das páginas policiais. Por isso, é essencial preservar a verdade pluralista enunciada pelo Lula falso.
Demétrio Magnoli
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