quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O vetor da corrupção

Ele costuma ser simpático, sorriso fácil, sempre prestativo. Se o hospedeiro precisa ir a algum lugar com rapidez, ele arruma um helicóptero. Se é mais longe, um jatinho. Se o outro quer relaxar, ele descola uma casa na praia, uma fazenda para pescar, um apartamento em Paris. Ele se antecipa e descobre qual uísque o hospedeiro gosta de beber, o que sua mulher gosta de comer e em qual cidade a ex-amante do hospedeiro gostaria de morar.

Ele também entende tudo de reformas: casa na praia, sítio de lazer, cozinha gourmet – seja o que for, tem sempre um conhecido que pode fazer o projeto e tocar a obra “sem custos”. Ainda arruma emprego, sócios ou clientes para os filhos do hospedeiro.

É fazendo favores, gerando oportunidades e apresentando pessoas que o vetor se aproxima de seu alvo. Cria intimidade e, no passo seguinte, cumplicidade. Divide segredos. Ganha confiança.


Ele tem muitos nomes: intermediário, facilitador, lobista. Mas – em tempos de zika, dengue e chikungunya – pode ser chamado também de “Aedes corruptus”. Como um mosquito, ele é o vetor da corrupção. Vive de sugar o sangue alheio e espalhar o vírus “uma mão lava a outra”, o “toma lá dá cá” e o “15% é pro partido”.

Em época de eleição, vira arrecadador de campanha. Se não tiver outro jeito, doa do próprio bolso, mas prefere passar o chapéu entre empresários. Assim, suga dois com uma picada só: fica com crédito junto ao hospedeiro e ainda prospecta futuros clientes.

Estabelecida a confiança mútua, o hospedeiro está infectado: pode pretender ignorar, não apresentar sintomas, chamar o vetor de amigo, mas, conscientemente ou não, será usado para propagar a doença. O “Aedes corruptus” vai explorar sua proximidade com os poderosos para fechar negócios. Vai se gabar de ter acesso fácil para vender serviços – que pode ou não entregar.

É um aspecto singular do contágio. Basta ao mosquito saber antes o que o hospedeiro fará, para vender como obra sua algo que já é certo mas ainda não foi anunciado. Os clientes estão tão acostumados à corrupção que, numa projeção de si próprios, julgam que tudo só acontece se engraxam a mão de alguém. O “Aedes corruptus” conhece sua clientela, e usa isso a seu favor.

Se detectar dúvida, pode cometer uma indiscrição para provar que convive com a família do poderoso infectado. Mostra no celular para o potencial cliente uma foto dele com o hospedeiro, conta um causo do último encontro, revela apelidos de família.

Quando a doença se alastra e o hospedeiro deixa de ser assintomático, o vetor muda de status e vira operador. Começa a intermediar nomeações, distribuir comissões e montar sociedades. Aumenta, porém, o risco de ser descoberto. Se é pego pelas autoridades sanitárias, é o primeiro a delatar. Entrega todo mundo, abranda sua pena e fica com parte do que ganhou. Enquanto isso, o hospedeiro enfraquece e, às vezes, morre, politicamente.

Podem achar que o mosquito acabou, mas ele só está buscando um novo vírus para transmitir. Se ficou manjado como vetor federal, vai traficar no local. Se não der para ele, vai dar para outros de sua espécie. Sempre haverá “Aedes corruptos” zunindo por aí.

A corrupção é endêmica no Brasil. Infecta tantas pessoas que se tornou o comportamento normal – com variações sazonais e espaciais, mas dentro do máximo esperado. Surtos epidêmicos são raros, porém, ocorrem. E sempre na mesma ocasião: quando há troca em massa no poder e uma nova população sem anticorpos vira alvo do “Aedes corruptus”. A propagação, aí, costuma ser explosiva, muito além do desvio padrão. É a festa do mosquito.

Como toda epidemia, uma hora ela acaba – seja porque aquele esquema foi descoberto, seja porque dizimou os hospedeiros. Aí voltamos ao nível endêmico de corrupção ao qual estamos acostumados. Vão-se os hospedeiros, ficam os mosquitos.

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