Desde 2008, o Ibope pergunta à população em idade de votar quão satisfeita ela está com o funcionamento da democracia no Brasil. Os resultados nunca foram brilhantes, ainda menos se comparados a países latino-americanos como Uruguai e Argentina, mas jamais haviam sido tão chocantes quanto agora. Só 15% de brasileiros se dizem “satisfeitos” (14%) ou “muito satisfeitos” (1%) com o jeito que o regime democrático funciona no País.
Isso significa que um em cada três está “pouco satisfeito” (36%) e, pior, 45% estão “nada satisfeitos”. Não há taxa parecida na série histórica, nada com tal nível de insatisfação. O mais alto havia sido em 2013. Após a onda de protestos de rua, os “nada satisfeitos” cresceram para 29%. A taxa baixou para 22% no ano passado e dobrou agora, chegando a quase metade da população.
É uma insatisfação manifestada pelo pobre e pelo rico, pelo semi-analfabeto a por quem fez faculdade, homens e mulheres, brancos e negros, católicos e evangélicos. Vai das capitais ao interior, passando pelas periferias das metrópoles. Atinge cidades grandes, pequenas e médias. Viaja de Norte a Sul, via Sudeste e Centro-Oeste, com uma pequena inflexão no Nordeste.
Só em 2007, no Paraguai, pouco antes da eleição de Fernando Lugo – que sofreria impeachment cinco anos depois –, houve nível similar de insatisfação (48%) ao que há hoje no País. A parcela dos “nada satisfeitos” nas pesquisas mais recentes do Latino Barômetro (2013) no continente revelam números muito mais baixos que o do Brasil: 22% na Venezuela, 20% no Paraguai, 11% na Bolívia, 10% na Argentina e Chile e 0% no Uruguai.
De onde se conclui que a democracia brasileira é a mais insatisfatória aos olhos de seus próprios cidadãos entre todos os vizinhos pesquisados. Por que há tantos insatisfeitos?
A primeira hipótese é a crise política. Afinal, os governantes e políticos em geral raramente foram tão mal avaliados quanto são agora. A popularidade da presidente Dilma Rousseff bateu em um fundo de poço tão escuro quanto os mais impopulares presidentes brasileiros. Ela luta para não perder o mandato. Governadores e prefeitos também sofrem com a desaprovação. O Congresso e os partidos políticos são inconfiáveis para a maioria da população.
Esses fatos mostram como a democracia brasileira chegou a esse nível crítico de insatisfação, mas não revelam o porquê. É possível usá-los para descrever o processo de deterioração do funcionamento da democracia, mas não explicam o motivo de tanta desconfiança. É a corrupção, a sucessão de escândalos, as condenações, os bilhões desviados, os milhões em propina?
Em parte, sim. O brasileiro está certamente indignado com as revelações da Lava Jato. Mas estará ele surpreso? Era algo completamente inesperado? Ou, ao contrário, essa sempre foi a suspeita nacional? Afinal, nomes de políticos há décadas viram verbo ou adjetivo como sinônimos de roubar. Por que só agora houve reflexo negativo na imagem da democracia, se a novela de escândalos começou dez anos atrás e se arrasta desde então?
Por causa da decepção com a economia. Quem acreditou que estava melhorando de vida viu o processo parar de repente. Por causa do desemprego e dos aumentos de tarifas, o consumo diminuiu ou passou a ser controlado. Quem comprou carro não usa todo dia porque a gasolina ficou cara, quem comprou eletrodoméstico não liga para não aumentar a conta de luz. A frustração ricocheteia nos governantes e acerta a democracia.
“É sinal de que os valores democráticos não estão arraigados. A democracia só vai bem se a economia vai bem. É um risco real. Incentiva o populismo”, diz Marcia Cavallari, CEO do Ibope Inteligência. A saída é fortalecer a política, para ela deixar de ser escrava da economia. Reformá-la para libertá-la. Mas o Congresso preferiu remendá-la para mantê-la cativa
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