Políticos desgastados, imagem do governo federal em frangalhos, sociedade descrente e atordoada, estrutura social começando a se queixar do bolso mais vazio e inflação emagrecendo a geladeira, formam o pano de fundo sob o qual devem ser analisados os aspectos pontuais da crise que vive o país.
O repertório de depoimentos e denúncias diárias, ao contrário do que seria de esperar, de tão banalizado, parece anestesiar a sociedade. A repetição cansativa de escândalos embrutece a sensibilidade, como se uma pesada camada de chumbo estivesse cobrindo nossos corpos.
O governo federal patina na rotina de fazer aprovar seu pacote fiscal. E passa a ser cobrado de maneira contundente pela forma com a Petrobras foi administrada nos últimos 12 anos. E nem pode berrar alto porque é refém das crises que ameaçam a governabilidade: a econômica, a política e a de gestão, com extensão na escassez de água nos reservatórios e ameaça de curto circuito na malha energética.
Os governadores estaduais correm à Brasília em busca de socorro. Ficam sem saber o que fazer e dizer ante a opção que lhes apresentam: promover um pacto federativo para recompor a divisão do bolo tributário. Por onde começar? Senadores dão uma no cravo, outra na ferradura, desaprovando Patriota, aprovando Fachin e adiando a MP 665, que endurece as regras para o seguro-desemprego e do abono salarial. Deputados querem acelerar a reforma política, mas não há consenso sobre nenhum ponto.
A paisagem escancara a baixa capacidade do governo de levar adiante o fabuloso programa de obras, refrãos e slogans, que o ciclo do petismo prometeu e, que nos últimos tempos, ficou restrito ao lema “Pátria Educadora”.
A má gestão, dizem os estudiosos de política, é aquela que consome o capital político do governante sem alcançar os resultados anunciados e perseguidos e isso ocorre por desorganizado manejo técnico. Os dirigentes esquecem os compromissos de suas campanhas eleitorais, não fazem o cálculo do balanço da gestão e, principalmente, não a projetam para o futuro.
Os políticos, por sua vez, aproveitam-se das circunstâncias para tirar proveito. Como a economia capenga, a crise transforma-e em oportunidade para a esfera política expandir sua força. O Parlamento Nacional torna-se um amplo território de articulação, negociação e pressão, o que, convenhamos, o coloca no palco dentro do processo decisório, eis que o Executivo torna-se dele refém, ao contrário da nossa tradição.
As casas parlamentares desejam impor uma pauta forte e agir de forma independente da vontade do Palácio do Planalto, exercendo sua função legislativa, debatendo os problemas nacionais e fiscalizando os atos do Executivo. Os governadores, por sua vez, estão desmotivados. Não mostraram praticamente nada desde sua posse. Não têm gás para acender o farol da gestão.
O Judiciário abarrota-se de demandas judiciais, permanecendo sob a fosforescência midiática desde os tempos do mensalão, ganhando agora a luminosidade da Operação Lava Jato, na esteira da qual, um juiz, Sérgio Moro, sobe os degraus da fama e alcança o mais alto prestígio no ranking do respeito e da credibilidade.
Brilha o facho de um advogado, Luiz Edson Fachin, que ascende à mais alta Corte, o Supremo Tribunal Federal, ganhando o título do maior sabatinado pelo Senado em toda a história daquele Poder. Como agirá na nova casa? Olhando para o visor constitucional, promete. A tensão entre os Poderes continuará alta. E se as novas delações premiadas ampliarem o leque dos envolvidos na Lava Jato? Qual será a tendência do Congresso ante a eventual condenação de algum de seus membros de alto conturno?
O fato é que cada Poder está à procura de uma bússola, da direção mais conveniente para enfrentar o amanhã. Por enquanto, olham para a escuridão, com o olho se acostumando a encontrar o nada. Há imensos no espaço social. Novas lideranças não emergem no cenário. FHC? Encostado no pijama do guru. Lula? Não mais parece o leão furioso dos velhos tempos. Quem tem hoje autoridade para atrair as massas? Quem agrega o dom do equilíbrio? Quem canaliza as aspirações mais legítimas da população, a força moral? Quem possui as melhores condições de subir ao pódio dos próximos tempos?
Na Babel de linguagens tortuosas e bordões de promessas vazias, quem dá o tom é a indignação social.
A sociedade, por sua vez, está a exigir um reequipamento convivial, que implica a recuperação da infra-estrutura social (os serviços fundamentais do Estado) e o resgate de valores éticos e morais. Distancia-se tanto do sistema de representação formal, sem acreditar que ele seja capaz de produzir melhorias na política. Aguarda, com muita expectativa, a punição exemplar de políticos culpados, na crença de que os horizontes do amanhã tragam de volta a ética e novos padrões.
Muita água há de rolar carregando novas correntes. Como rugiu Zaratustra, o profeta de Nietzsche: “Não apenas a razão dos milênios - também a sua loucura rompe em nós. É perigoso ser herdeiro. Ainda lutamos, passo a passo, com o gigante chamado acaso”.
Gaudêncio Torquato
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