A expressão brain rot, segundo os responsáveis da Universidade de Oxford, ganhou proeminência ao longo dos últimos meses como a melhor forma de descrever o impacto negativo provocado pelo “consumo excessivo de conteúdo online de baixa qualidade, especialmente nas redes sociais”.
O problema, no entanto, é que esta podridão cerebral – que todos, de alguma maneira, já nos autodiagnosticámos em algum momento – não deriva apenas da baixa qualidade dos conteúdos. Ela é fruto também do tsunami avassalador de imagens, textos, sons e informações que banalizam o nosso quotidiano, sem qualquer hierarquia de importância e sem nos dar, sequer, espaço e tempo para avaliarmos aquilo a que devemos dedicar maior atenção, e ignorar o resto.
A nossa atenção é hoje disputada de forma permanente, por diversos canais e das mais diferentes formas. Vivemos na era da abundância da informação, mas estamos limitados na escolha. Por uma razão, que precisamos de encarar de frente: raramente temos mesmo liberdade de escolha. Estamos, isso sim, dependentes da procura, mas condicionados por aquilo que os algoritmos nos põem à frente dos olhos. Todos sabemos como é: podemos ter 300 canais de televisão, mas fazemos zapping sempre pela mesma dúzia deles. Assinamos um serviço de streaming que anuncia ter um catálogo de milhares de títulos, mas raramente vamos além das sugestões que nos exibem no ecrã inicial. No fundo, o mesmo que acontece no Spotify ou no YouTube, como também na rede social que sabemos ter milhares de milhões de membros, mas onde as nossas interações raramente ultrapassam as do grupo restrito do costume.
É preciso recuperar o poder de fazer escolhas. Não deixar que as redes sociais as façam por nós, com base nos algoritmos que não se preocupam connosco ou com as nossas vidas – apesar de supostamente conhecerem os nossos impulsos, a nossa curiosidade básica ou até as situações que nos fazem perder a cabeça e arrastar-nos para uma discussão. Os algoritmos servem precisamente para nos “apodrecer” o cérebro e, nessa condição, com os cliques que podemos gerar. E servem também para criar sempre novas e melhores artimanhas para capturarem o nosso cada vez mais reduzido tempo de atenção.
O problema já nem é o de deixarmos de saber distinguir entre o bom e o mau, entre o conteúdo de qualidade e o de lixo. É também, cada vez mais, a dificuldade que temos de saber distinguir entre o verdadeiro e o falso – aquilo de que se aproveitam tanto aqueles que só querem ganhar dinheiro com cliques como os que procuram, dessa forma, espalhar o caos e a desinformação.
“As redes sociais modificaram, de forma sub-reptícia, a nossa relação com a vida”, avisa Bruno Patino em Submersos, um livro com poucas páginas, mas muitas lições. “O seu modelo económico, principalmente publicitário, leva-as a extraírem-nos uma parte crescente do nosso tempo por todos os meios possíveis”, adverte, indicando o resultado: “dependência individual e polarização coletiva”, ou seja: “dependência para cada um de nós, conversa de combate para todos nós”.
Neste tempo, é cada vez mais importante e decisivo o papel de quem tem por função ser mediador de informação, sem estar dependente da ditadura dos algoritmos. O jornalismo tem essa função. E é precisamente por permitir fazer escolhas, fornecer algo que o público nem sequer sabia que existia ou dar visibilidade ao que estava escondido, que o jornalismo e a comunicação social livre e independente estão hoje sob a maior ameaça de sempre. É preciso acreditar, no entanto, que não estão condenados à “podridão cerebral”. Só há uma forma de a contrariar: restaurar a confiança na sua missão, nos seus métodos e no seu trabalho. E, até onde for possível, continuar a resistir.
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