Depois de cálculos e discussões acaloradas, o pessoal do Projeto Manhattan chefiado por Robert Oppenheimer apostou que aquela bomba de laboratório não cozinharia o planeta inteiro. O governo americano, então, arriscou e autorizou o teste (que poderia ter destruído o mundo). A humanidade não pegou fogo, mas o que restava do nosso censo de sobrevivência e razoabilidade foi carbonizado ali.
O episódio inaugurou a era da banalização do extermínio da vida no planeta – ao simples apertar de um botão – como um efeito colateral aceitável para qualquer outro empreendimento humano, principalmente para os projetos do mercado, mais sutis (e lucrativos) do que uma explosão atômica.
Não bastasse a alavancagem da produção industrial e da emissão de poluentes e gases efeito estufa, proporcionada diretamente pela II Guerra Mundial propriamente dita, seu “gran finale” nuclear foi o sinal verde para o vale-tudo industrialista puxado pelas grandes corporações da nova potência econômica mundial, os EUA, e pela indústria estatal soviética.
Nesse novo mundo – no qual o apocalipse atômico passou a fazer parte das “coisas da vida” – nenhum argumento ambientalista conseguiria concorrer com os encantos publicitários do consumismo, que prometem, ainda hoje (e cada vez mais), status e prazer. Não admira que a mudança climática decorrente da expansão industrial seja tratada pelos mercados e autoridades como um fenômeno natural, sobre o qual nosso cotidiano prosaico não teria qualquer influência ou responsabilidade (tampouco os governos e empresas).
A rigor, desde o início do século XX grandes corporações americanas e europeias, como GM, Ford, Renault, Standard Oil, Firestone, Bayer, Krupp, Siemens, Du Pont, Monsanto e tantas outras já investiam seu capital e suas relações políticas na disseminação do consumo de massa. Nesse contexto, o petróleo desempenhou papel central (ainda mais lucrativo do que o carvão mineral), com desdobramentos na produção de plásticos, cimento, farmacêuticos, pesticidas, química, munições e no boom da indústria automobilística, naval, aeronáutica e espacial, para fins militares e pacíficos. Mas, nada parecido com o ritmo e as oportunidades do pós-guerra.
Por outro lado, curioso é que o presidente americano Jimmy Carter, do Partido Democrata, chegou a instalar painéis de energia solar na Casa Branca e fazer discursos contra o consumismo e pela transição energética (quem sabe, por isso mesmo, não foi reeleito). Ele conhecia o estudo do MIT que, em 1971, já apontara 13 cenários possíveis de colapso global em consequência da poluição, escassez de recursos e superpopulação.
Resta saber se agora, no ápice do antropoceno, quando o mundo alcançou uma produção diária de um milhão de barris de petróleo, ainda há vontade, tempo e viabilidade para o estabelecimento de um modelo econômico sustentável. Se a humanidade não se intimidou há 80 anos diante da possibilidade de ser assada em minutos pela bomba do Novo México, dificilmente será detida apenas pela ameaça de automóveis, árvores caídas e air fryers.
Felipe Sampaio
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