sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Quando começou o fim do mundo?

Foi exatamente em 16 de julho de 1945, no dia da primeira explosão ainda experimental de uma bomba atômica (no Novo México, EUA). O fim do mundo começou naquele instante, porque, pouco antes do experimento, vários cientistas ainda temiam que aquela única explosão nuclear produzisse uma “fornalha atmosférica” global, numa reação em cadeia que incendiaria a atmosfera do planeta, exterminando em questão de horas grande parte das espécies vivas no mundo todo. Mesmo assim, o teste aconteceu.

Depois de cálculos e discussões acaloradas, o pessoal do Projeto Manhattan chefiado por Robert Oppenheimer apostou que aquela bomba de laboratório não cozinharia o planeta inteiro. O governo americano, então, arriscou e autorizou o teste (que poderia ter destruído o mundo). A humanidade não pegou fogo, mas o que restava do nosso censo de sobrevivência e razoabilidade foi carbonizado ali.

O episódio inaugurou a era da banalização do extermínio da vida no planeta – ao simples apertar de um botão – como um efeito colateral aceitável para qualquer outro empreendimento humano, principalmente para os projetos do mercado, mais sutis (e lucrativos) do que uma explosão atômica.


Não bastasse a alavancagem da produção industrial e da emissão de poluentes e gases efeito estufa, proporcionada diretamente pela II Guerra Mundial propriamente dita, seu “gran finale” nuclear foi o sinal verde para o vale-tudo industrialista puxado pelas grandes corporações da nova potência econômica mundial, os EUA, e pela indústria estatal soviética.

Nesse novo mundo – no qual o apocalipse atômico passou a fazer parte das “coisas da vida” – nenhum argumento ambientalista conseguiria concorrer com os encantos publicitários do consumismo, que prometem, ainda hoje (e cada vez mais), status e prazer. Não admira que a mudança climática decorrente da expansão industrial seja tratada pelos mercados e autoridades como um fenômeno natural, sobre o qual nosso cotidiano prosaico não teria qualquer influência ou responsabilidade (tampouco os governos e empresas).

A rigor, desde o início do século XX grandes corporações americanas e europeias, como GM, Ford, Renault, Standard Oil, Firestone, Bayer, Krupp, Siemens, Du Pont, Monsanto e tantas outras já investiam seu capital e suas relações políticas na disseminação do consumo de massa. Nesse contexto, o petróleo desempenhou papel central (ainda mais lucrativo do que o carvão mineral), com desdobramentos na produção de plásticos, cimento, farmacêuticos, pesticidas, química, munições e no boom da indústria automobilística, naval, aeronáutica e espacial, para fins militares e pacíficos. Mas, nada parecido com o ritmo e as oportunidades do pós-guerra.

Por outro lado, curioso é que o presidente americano Jimmy Carter, do Partido Democrata, chegou a instalar painéis de energia solar na Casa Branca e fazer discursos contra o consumismo e pela transição energética (quem sabe, por isso mesmo, não foi reeleito). Ele conhecia o estudo do MIT que, em 1971, já apontara 13 cenários possíveis de colapso global em consequência da poluição, escassez de recursos e superpopulação.

Resta saber se agora, no ápice do antropoceno, quando o mundo alcançou uma produção diária de um milhão de barris de petróleo, ainda há vontade, tempo e viabilidade para o estabelecimento de um modelo econômico sustentável. Se a humanidade não se intimidou há 80 anos diante da possibilidade de ser assada em minutos pela bomba do Novo México, dificilmente será detida apenas pela ameaça de automóveis, árvores caídas e air fryers.
 Felipe Sampaio

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