quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Colonização moderna

Quando pensamos no futuro do Brasil, não vemos futuro, mas tão somente a continuidade de um triste presente. Como é possível compreender, aceitar e viver sem indignação numa sociedade como a do nosso País, formada por:

1) uma multidão majoritária de pobres e negros, excluída, escravizada e inconsciente da realidade em que vive, sem condições de participar da vida política e econômica do país; 2) uma classe média sem qualquer noção de nacionalidade, que serve aos interesses dos poderosos, que odeia os pobres e que age como o capataz moderno, como bem define osociólogo Jessé de Souza;

3) uma elite econômica, que influencia na formação da classe política desqualificada e corrupta e que, em conjunto com a classe média, forma um bloco antipopular, que além de explorar o povo ainda tem “vendido” o País às nações estrangeiras.

Alia-se a isso, ainda, uma mídia em grande parte mantida pelo poder econômico, que tem exercido um crescente poder de manipulação da sociedade. São raros os veículos de comunicação que exercem a missão de fiscalizar, investigar, criticar, denunciar e cobrar, que se espera de uma imprensa livre, séria e compromissada com os destinos da Nação. Infelizmente, a publicidade pública quase sempre é usada com igual objetivo e não para educar, informar e bem orientar a sociedade, conforme determina a Constituição (art. 37, $ 1º).


Por tudo isso, estamos fadados a continuar sendo colônia das grandes potências, que aqui vêm buscar as commodities (matérias primas de baixo valor agregado) de que precisam para desenvolver as suas indústrias, gerar renda e empregos para os seus nativos, sob o olhar omisso da sociedade brasileira, uns por conveniência, outros por ignorância.

As ricas reservas de minérios, a exemplo do complexo minerário da Serra dos Carajás, no estado do Pará, o maior do mundo, estão sendo sugadas para sustentar a indústria da China e de países europeus, entre outros, deixando muito pouco ou quase nada para o Brasil além da degradação ambiental.

A desarticulação da Agência Nacional de Mineração, principal estatal voltada à organização e à fiscalização da atividade minerária, fez com que os garimpos ilegais se alastrassem, principalmente pelo território amazônico, avançando sobre áreas de proteção ambientais e sobre terras indígenas. Hoje a desordem impera nesse setor, situação que se agravou no governo passado, como vêm denunciando as poucas entidades da sociedade civil que atuam nessa área – Observatório da Mineração, site Amazônia real, sinaldefumaca.com, Brasil de Fato, entre outras.

A Vale S.A., por exemplo, usa tecnologia de ponta para extrair e transportar os minérios da Serra dos Carajás para fora do país, especialmente para China, principal compradora do minério de ferro, e também para a Europa e, em menor proporção, para Turquia, EUA, Argentina, Romênia, Omã, Ilhas Maurício, África do Sul e Egito. Mas nunca demonstrou o menor interesse em promover um processo de industrialização nacional. E nem nunca foi exigida pelo governo brasileiro a atuar nessa direção.

Segundo o site Brasil de Fato(2), só em 2021 a Vale deixou de pagar R$ 20,3 bilhões em impostos, sem qualquer contrapartida, o que faz com que as renúncias fiscais a ela concedidas sejam só um bônus para aumentar seu lucro. Em menos de dois anos, a Vale recebeu em benefícios fiscais do governo o equivalente a todo o acordo de reparação de Brumadinho.

Por isso, essa política de renúncias fiscais deveria ser revista, com urgência, pelo Brasil. Ela só se sustenta pelo forte lobby que as empresas mantêm no Congresso Nacional, a exemplo do que ocorre com o agronegócio. Aliás, saliente-se que os maiores investimentos da Vale e das grandes empresas do agronegócio são na manutenção dos lobbies e nas campanhas publicitárias.

O bom senso e os interesses do País indicam que essas benesses só se justificariam para empresas do setor industrial, que geram empregos qualificados e renda para os brasileiros. Para mineradoras que só exportam o minério in natura, que geram muito poucos empregos e renda no país, assim como para os grandes grupos empresariais do agronegócio que só produzem para exportar, é um verdadeiro crime de lesa-pátria conceder a elas incentivos fiscais.

Aliás, no agronegócio a situação ainda é pior. Além de não pagarem impostos, as grandes empresas desse setor são beneficiadas com créditos a juros subsidiados e renúncias de receitas. Espertamente, os grandes empresários do agro procuram confundir-se com os pequenos e médios produtores rurais e com as empresas industriais, com o objetivo de usufruir dos benefícios governamentais a ambos concedidos. Reitere-se que os investimentos no País só são feitos para a manutenção de uma bancada aguerrida no Congresso e na promoção de campanhas publicitárias manipuladoras da opinião pública.

Em 2019, por exemplo, a exportação de produtos do agronegócio rendeu aos cofres públicos apenas R$ 16,3 mil em imposto, de acordo com os dados publicados no artigo Agrotóxicos, capital financeiro e isenções tributárias, de Marcelo Carneiro Novaes e Thomaz Ferreira Jensen, um dos textos que compõem o livro Direitos Humanos no Brasil 2020, lançado pelo Movimento Humanos Direitos e pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

E a situação de lá para cá só piorou. Nossas férteis terras estão sendo usadas por um seleto grupo do agronegócio para produzir alimentos destinados exclusivamente à exportação, atendendo aos interesses dos países importadores. Para nós estão sobrando tão somente a devastação dos biomas, a degradação e a contaminação por agrotóxicos dos solos e das águas.

Dados levantados pelo Repórter Brasil, resultantes do cruzamento de informações do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua) do Ministério da Saúde, com testes feitos em 2022, encontraram uma mistura de 27 agrotóxicos na água consumida pela população de 210 municípios brasileiros, como São Paulo (SP), Fortaleza (CE) e Campinas (SP).

Em 2022, o alerta máximo para contaminação da água acendeu em 28 cidades de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e Tocantins, nas quais testes de qualidade encontraram agrotóxicos na rede de abastecimento, ou em poços de uso particular, em quantidade acima do limite considerado seguro pelo Ministério da Saúde. Essa situação, segundo especialistas, representa um risco à saúde, principalmente se a água contaminada for consumida de forma contínua.

Esses são temas que deveriam preocupar a sociedade brasileira e, sobretudo, o Congresso Nacional e ensejar atuações visando uma mudança que melhor atenda aos interesses do País. No entanto, é utopia esperar que isso aconteça, uma vez que a maioria dos atuais parlamentares é comprometida com o grande capital, para o qual atuam como verdadeiros lobistas.

Resta esperar que setores mais conscientes da sociedade denunciem e pressionem por mudanças, fazendo com que eles passem a contribuir mais com o Brasil e menos com interesses particulares e pouco republicanos.

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