quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Luta de classes à maneira dos ricos

Um dia, os inquilinos do Belnord se revoltaram e resolveram entrar em greve, fazendo história; mas isso foi depois, já no final da década de 1970. O Belnord havia sido, no seu tempo, o maior e mais suntuoso edifício de apartamentos de Nova York. Construído em 1909 e ocupando um quarteirão inteiro do Upper West Side, tinha 175 apartamentos finamente decorados, com tudo o que era importante na época: salas de estar e de jantar, biblioteca, lareira, despensa, dois ou três quartos de empregada e amplo espaço na cobertura para cada unidade dispor da sua própria lavanderia — o que, na virada do século, queria dizer o seu próprio tanque, a sua própria tábua de passar e o seu próprio varal de roupas, luxo sem igual.

O Belnord fora obra de um consórcio de investidores, e trocou de mãos algumas vezes até se tornar propriedade de um único casal, os Seril. O marido morreu em 1981; a viúva ficou famosa por ser a proprietária mais incompetente do elegantíssimo Upper West Side. Lilian Seril era acusada pelos inquilinos de não só não fazer as obras de manutenção de que o prédio necessitava, como de impedi-los de fazê-las. Havia infiltrações, os elevadores não funcionavam, faltava água, o telhado era um problema, o delicado jardim interno havia sido fechado. Ela, por sua vez, acusava os inquilinos de não pagar o aluguel em dia e de vandalizar o edifício.

Os aluguéis haviam caído num desvio burocrático criado durante a Segunda Guerra para evitar especulação imobiliária, estavam congelados e custavam uma fração do seu valor de mercado.


Na verdade, todos os lados tinham razão, todos estavam errados e todos eram igualmente insuportáveis. O primeiro juiz designado para dar jeito no emaranhado de ações entre proprietária e inquilinos desistiu da causa, e disse ao New York Times, exasperado, que “as partes se mereciam”.

Sem solução à vista, os moradores entraram em greve, depositando os aluguéis em juízo; alguns aproveitaram e simplesmente deixaram de pagar. A briga só se resolveu quando, em 1994, aos 85 anos, Lilian Seril jogou a toalha e vendeu o Belnord para um grupo de investidores.

Os novos proprietários pagaram U$ 15 milhões por um edifício que, em circunstâncias normais, teria custado três vezes isso, e gastaram U$ 100 milhões na reforma. Lilian Seril continuou no seu apartamento de 300m² até morrer, em 2004: pagava um modesto aluguel (congelado) aos novos donos. Só em 2017 as unidades, reformadas, começaram a ser vendidas, as menorzinhas por pouco menos de U$ 4 milhões, as maiores por U$ 11 milhões.

A longa treta entre proprietários e inquilinos do Belnord daria uma série, mas eu só descobri isso depois de assistir — com muito atraso — a “Only murders in the building”, onde ele atende por Arconia e é apenas um dos personagens.

Fui para o computador atrás do prédio fictício e o Google me trouxe o filé-mignon da vida real.

“Only murders in the building”, comédia policial estrelada por Steve Martin, Martin Short e Selena Gomes, com participações especiais de nomes como Sting e Meryl Streep, é uma das melhores séries em cartaz. Foi lançada em 2021 no Star+ e já teve três temporadas perfeitas para maratonar: três vizinhos se transformam em improváveis podcasters e detetives tentando descobrir quem é o assassino que se esconde no seu velho edifício. A história é leve, os atores são maravilhosos, a direção é ótima e, para felicidade geral, ninguém se leva muito a sério.

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