Em seu relatório de 2020 – o mais recente divulgado –, a instituição traçou um quadro sombrio, indicando um enorme retrocesso em todos os continentes. O título do relatório, In sickness and in health? (Na doença e na saúde?), já sugere o fator posto em relevo: a pandemia de covid-19, que forçou a maioria dos governos a tomar medidas que provavelmente seriam rejeitadas pelos cidadãos caso fossem submetidas a algum tipo de plebiscito. Esse trágico painel reforça numerosas análises que vêm há anos prognosticando o iminente fim da democracia liberal-representativa.
O EIU classifica os países estudados em quatro categorias. A “nata” da democracia, designada como “democracias plenas”, compreende apenas 23 países, nos quais vivem 8,4% da população mundial. Os países nórdicos da Europa e o Canadá ocupam as posições mais altas. Na América Latina, só três países – Uruguai, Chile e Costa Rica – podem gabar-se de ser “plenamente” democráticos.
O grupo seguinte, denominado “democracias defeituosas”, compreende 52 países e 41% da população mundial. Esses países podem orgulhar-se de alguns traços democráticos importantes, desde logo o fato de que o acesso ao poder se dá mediante eleições periódicas, limpas e livres, mas não conseguem manter um padrão elevado em outros aspectos, como a liberdade de imprensa e a proteção dos direitos humanos. Uma parte expressiva dos cidadãos se opõe aos valores básicos da democracia. Para ter uma ideia da qualidade exigida para um país ser considerado “plenamente” democrático, basta lembrar que França, Portugal e Estados Unidos foram recentemente rebaixados para o grupo “defeituoso”, fato perceptível no caso norte-americano, tendo em vista a virulenta polarização iniciada na eleição presidencial de 2016, que deu a vitória a Donald Trump, e a recidiva racista, grotescamente ilustrada pelo assassinato de um negro quando um policial o manteve sufocado sob sua bota durante 8 minutos.
O terceiro grupo, designado como “regimes híbridos”, é uma mistura desconexa, na qual alguns países até mantêm uma contrafação de processo eleitoral, mas que, a meu ver, não passam de ditaduras, abertas ou veladas.
Abaixo dos “regimes híbridos” temos os países inequivocamente ditatoriais, como a China, o Irã e a Coreia do Norte. Alguns desses países exemplificam bem o que acima designei como contrafação de processo eleitoral. Na Bielorrússia, por exemplo, o presidente Alexander Lukashenko, possuidor de sólidas credenciais fascistas, pleiteou em 2020 o seu sétimo mandato. Ao se dar conta de que seu adversário, Siarhei Tsikhanouski, poderia dar-lhe algumas dores de cabeça, mandou-o para a cadeia. Não se importou com a mulher dele, Sviatlana Tsikhanouskaya, uma simples dona de casa que se ocupava tão somente de cuidar de seus dois filhos, um deles nascido surdo. Mas o implausível aconteceu. Ela se candidatou à presidência, o inconformismo latente veio à tona e ele, Lukashenko, achou melhor mandá-la para o exílio na Lituânia.
O caso da Bielorrússia contém uma lição importante: o fascinante painel que a pesquisa do EIU nos proporciona requer certos cuidados na interpretação. O sucesso eleitoral da sra. Sviatlana e a evidência de que a Bielorrússia não passa de uma ditadura nada tiveram que ver com a conduta do governo em relação à pandemia. No sentido oposto, a estrela do relatório de 2020 é Taiwan, que subiu 11 posições, alçando-se ao seleto grupo das democracias plenas.
O Brasil é outro caso que precisa ser interpretado com cautela. Ocupando a 49.ª posição, estamos um pouco acima da Índia e um pouco abaixo da África do Sul. Os relatórios bianuais divulgados desde 2006 mostram uma acentuada redução na qualidade de nossa democracia (que nunca foi grande coisa). Importa ressaltar que estou me referindo à série iniciada em 2006, portanto a pandemia, por maior que venha a ser seu efeito, não é a explicação. Se queremos de fato entender o que vem acontecendo, melhor será começarmos pela ressurreição do populismo a partir de 2002; o conluio entre a deslavada corrupção implantada na Petrobras com a malta dos empreiteiros; a liquefação da estrutura partidária; a recessão engendrada pelos desatinos econômicos da sra. Dilma Rousseff; a estúpida polarização política entre Bolsonaro e o PT, iniciada na eleição de 2018; a liturgia presidencial, espezinhada pelo sr. Jair Bolsonaro, tudo isso servindo como pano de fundo para o fato de nos havermos igualado aos Estados Unidos numa grotesca manifestação de racismo, o assassinato do congolês Moïse no Rio de Janeiro. Haveria mais o que dizer, claro, mas, a oito meses da eleição, basta lembrar que o farol baixo aponta para a Bielorrússia, o alto, para Taiwan.
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