sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Governando num mundo fake

No mundo fake do presidente Jair Bolsonaro a economia vai bem, a criação de empregos formais é um sucesso, os problemas são causados pelos governadores, o uso de máscaras é dispensável e as vacinas são tão “experimentais” quanto o tal tratamento precoce. Toda pessoa informada recebe com desconfiança, e até com preocupação, as declarações presidenciais sobre assuntos econômicos e de saúde – para citar só dois dos muitos territórios por ele desconhecidos.

Os dois são especialmente perigosos. Na área econômica, as perspectivas são ruins e poderão piorar, se o presidente, como de costume, cuidar mais de seus interesses pessoais do que das necessidades do País. Pelas previsões atuais, o crescimento econômico neste ano pode compensar, talvez com pequena sobra, a contração de 4,1% ocorrida em 2020, mas as perspectivas pioram muito a partir de 2022.


Diminuíram de novo na última semana as estimativas de expansão do Produto Interno Bruto (PIB). As medianas das projeções caíram para 5,27% em 2021 e 2% em 2022, enquanto as expectativas de inflação continuaram subindo e chegaram a 7,11% e 3,93%, segundo cálculos colhidos no mercado pelo Banco Central (BC).

Juros altos serão o remédio da autoridade monetária para conter o surto inflacionário. Mas o surto continuará sendo alimentado pelas ações eleitoreiras do presidente. Se depender dele, o Orçamento de 2022 será recheado de gastos populistas, destinados à caça de votos, e de dispositivos para agradar aos apoiadores fisiológicos, como um gordo fundo eleitoral e emendas para agradar aos amigos.

A inflação muito elevada tem imposto uma provação a mais para os brasileiros, principalmente para aqueles já afetados pelas péssimas condições do mercado de trabalho. Segundo o presidente, o mercado formal vai bem, com criação mensal de cerca de 250 mil empregos, mas o informal “deixa a desejar”. Esses comentários foram feitos em entrevista a uma rádio do Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo.

O presidente parece levar a sério os dados do Caged, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, gerido pelo Ministério da Economia. Analistas do mercado e outras pessoas habituadas a trabalhar com dados econômicos dão mais atenção aos levantamentos, muito mais amplos e mais informativos, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entidade fiel aos padrões internacionais e respeitada – contra a opinião do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Um novo quadro do desemprego deve ser divulgado pelo IBGE no fim do mês. O levantamento do trimestre móvel encerrado em maio mostra 14,8 milhões de desocupados (14,6% da força de trabalho, com estabilidade em relação ao período dezembro-fevereiro).

O número de empregados com carteira assinada (29,8 milhões) praticamente repetiu o do trimestre anterior. Também estável ficou o grupo de assalariados sem carteira no setor privado, de 9,8 milhões. A informalidade total, incluídos os trabalhadores por conta própria, cresceu ligeiramente, de 39,6% para 40% da população ocupada.

Não se espera um quadro muito diferente na próxima divulgação, mesmo com alguma melhora. Tampouco se espera um cenário muito mais favorável em 2022.

O presidente parece desconhecer esses dados. Pouco informado, insiste, no entanto, em interferir nas contas públicas, na política econômica e na política de saúde. Esse desconhecimento se manifestou em declarações na segunda-feira passada sobre vacinas e pandemia. Segundo ele, as vacinas são tão experimentais quanto o “tratamento precoce” defendido há alguns meses pelo Executivo. Obviamente ele ignora o significado de “experimental”.

De fato, dados da experiência, coletados de forma técnica por especialistas, confirmam a eficácia das várias vacinas contra a covid-19. Dados também controlados já desacreditaram as terapias por ele defendidas. Um presidente mais preparado entenderia essas informações. Além disso, alguém mais preparado teria valorizado o Ministério da Saúde, dado menos palpites e buscado ajuda de pessoas competentes e responsáveis.

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