quarta-feira, 24 de março de 2021

O flerte de Bolsonaro

Bolsonaro está perdido, não sabe o que fazer diante de tanta contrariedade. Sua popularidade está em queda, enquanto a disparada do vírus continua batendo recordes. A gripezinha não dá trégua. Mesmo antes de terminar, março já é o mês mais letal da pandemia.

Até mesmo membros importantes do governo criticam o combate à Covid-19. O ministro Paulo Guedes admite que o número de imunizados é “muito pouco”. Ele é hoje um defensor da vacinação em massa para a retomada da economia, tese oposta à que seu presidente defendia — pelo menos quando ainda não usava máscara.

Dizem que Bolsonaro acuado, como está agora, é um perigo, fica muito agressivo, mais do que normalmente é. E imprevisível, sujeito a surtos, como o de que “só Deus”, de quem se considera íntimo, o tira da Presidência.


Não custa lembrar que, etimologicamente, “acuado” tem a ver com o lugar do corpo humano onde o presidente mandou enfiar, quando um repórter tocou no assunto, “os R$ 15 milhões de leite condensado” que o Palácio gastou na compra do produto em que o presidente gosta de molhar o pão no café da manhã. Já o filho, um dos Zeros à esquerda, mandou enfiar no mesmo lugar inadequado as máscaras contra a Covid-19.

Mesmo assim, ainda é preferível — a que ponto chegamos — esse Bolsonaro escatológico àquele que gosta de recorrer à Lei de Segurança Nacional contra quem o critica. Ao golpe militar de 64, ele só tem uma crítica explícita: “Torturou em vez de matar”.

O golpe é seu permanente flerte. Uma de suas recentes manifestações é um aviso, em tom de ameaça, sobre o que pode acontecer com o país. Pode piorar, ele adverte: “O terreno fértil para a ditadura é a miséria, a fome, a pobreza, onde o homem com necessidade perde a razão. Estão esperando o quê? Chegar o momento? Gostaria que não chegasse, mas vai acabar chegando esse momento”. É uma mensagem enigmática, mas não difícil de decifrar. Pelo menos um recado é claro: ele poderá dizer: “Eu avisei”.

O que mais preocupa é o silêncio dos militares, principalmente dos oficiais superiores que fazem parte da cúpula do governo, diante do uso que o ex-capitão faz da marca. Olha o que ele já disse: “O meu Exército não vai para a rua cumprir decreto dos governadores. Não vai. Se o povo começar a sair de casa, entrar na desobediência civil, não adianta pedir o Exército, porque o meu Exército não vai, nem por ordem do Papa”. Acho que nem Caxias, o patrono, jamais encheu tantas vezes o peito com essa declaração de posse: “O meu Exército”.

Gostaria de ouvir o vice-presidente, general Hamilton Mourão, que tem como tarefa botar panos quentes, ou seja, consertar para os jornalistas os malfeitos vocabulares do presidente: “não foi bem isso o que ele quis dizer”, “vocês não estão dando uma interpretação correta” etc.

O que o general tem a comentar sobre o flerte e sobre essa indevida apropriação do subalterno que, quando vestia farda, nunca fez por merecê-la?

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