É brutal ver como as margens da Lagoa da Tijuca vão sendo tomadas por construções, na maioria ilegais, como em Muzema. Os afluentes das lagoas transformaram-se em esgotos pretos e cinzentos, por onde escorrem os excrementos de dezenas de milhares de pessoas. Principalmente a Lagoa de Jacarepaguá e a Lagoa da Tijuca são hoje praticamente latrinas.
Devido ao constante influxo de excrementos, elas perderam de um a dois metros de profundidade e em alguns trechos já se formam ilhas de resíduos. Por todo lado é possível ver lixo plástico boiando na superfície, além de sofás, geladeiras, televisores e pneus de carro na água.
Antes, num passeio de barco com Moscatelli pelas lagoas, eu já tinha visto como, por todos os lugares, bolhas de gás fedorento se elevam dos processos de decomposição do esgoto. Especialmente nas margens, a água tem, além disso, uma intensa cor verde. Ela vem da bactéria tóxica Microcystis aeruginosa, que se reproduz rapidamente no calor e ataca o fígado e o sistema nervoso de animais e humanos. O oxigênio e quase inexistente nas lagoas.
Por indicação de Moscatelli, foram instaladas as chamadas ecobarreiras em alguns locais para evitar que o lixo caia no mar. Numa delas, foram coletadas 120 toneladas de resíduos em 60 dias.
Não surpreende que, das cerca de cem espécies de animais que antes povoavam as lagoas, 80 desapareceram. "Só os animais muito resistentes ainda podem existir aqui. Eles são sobreviventes", diz Moscatelli. Entre eles estão os jacarés, animais extremamente resistentes. A grande sorte deles é que não têm olfato ou paladar, porque literalmente vivem na merda.
"As lagoas poderiam ser paraísos naturais, cheios de peixes e uma grande variedade de espécies de pássaros", diz Moscatelli. "Eles poderiam servir de sustento para os pescadores e atrair dezenas de milhares de turistas todos os anos. Mas não é assim que as elites brasileiras pensam. O que importa é fazer lucro rápido com o crescimento desordenado. Existe uma mentalidade colonial: tire o máximo proveito disso – e não se preocupe com mais nada."
Moscatelli faz questão de enfatizar que os problemas ambientais do Rio não têm nada a ver com falta de dinheiro, mas simplesmente com falta de vontade. Na verdade, só a reforma do Maracanã custou entre 1 bilhão e 2 bilhões de reais. Se só uma parcela desse dinheiro fosse investida na construção de estações de tratamento de esgoto e gestão sensata de resíduos, o valor agregado para o Rio seria imenso. Mas o carioca se acostuma com tudo e fica sentado nos restaurantes na beira das lagoas, enquanto a merda borbulha debaixo dele.
Ao sobrevoar a Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul, Moscatelli aponta para os manguezais às margens. Ele mesmo os plantou há alguns anos, quando as margens da lagoa eram sem vida.
O biólogo também iniciou projetos de recuperação de manguezais na Baía de Guanabara e em Angra dos Reis. "Eu faço mais pelo nosso meio ambiente do que qualquer político", diz o homem de 56 anos. Na verdade, os manguezais, cuja proteção agora foi suspensa pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, armazenam enormes quantidades de gases do efeito estufa e fornecem abrigo para muitas espécies animais.
O constante engajamento de Moscatelli já dura mais de 30 anos. Em uma cidade mais moderna e menos corrupta, ele teria um cargo importante no governo. No Rio, porém, ele recebe intimidações sistemáticas por parte dos setores incomodados com a sua atuação. Ele foi até processado por um shopping center na Barra da Tijuca por suas críticas às violações ambientais do centro comercial. Moscatelli já recebeu até mesmo ameaças de morte por chamar a atenção, tendo que se exilar na Alemanha por algum tempo.
No voo ao longo das margens da Baía de Guanabara, vemos como o esgoto escuro sem tratamento flui para a água em vários lugares – e eu me pergunto o que a Cedae faz com as altas taxas de esgoto. Moscatelli diz que todos os rios ao redor da baía estão praticamente mortos. Pode-se observar aqui o colapso total das políticas públicas.
Em seguida, sobrevoamos a Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) de Alegria, no Caju, que foi inaugurada em 2009 após 15 (!) anos de construção. Deveria tratar vários milhares de litros de esgoto por segundo. Mas hoje, apenas 11 anos depois, metade da ETE não funciona, e de cima observamos canalizações enferrujadas e algumas piscinas cheias de plantas. "A verba prevista para financiar essas estações ao redor da baía é extremamente mal gerenciada. Quase sempre os projetos são abandonados, e o entorno da baía virou um cemitério de obras de saneamento inacabadas", diz Moscatelli.
Olhando para baixo, me lembro das grandes promessas que foram feitas antes dos Jogos Olímpicos: que a Baía de Guanabara e as lagoas sestariam limpas no dia da abertura do evento. Na época, eu ainda acreditava nessas promessas. Mas eu ainda era novo no Rio.
Em seguida, sobrevoamos uma pequena colina. É o lixão de Gramacho, que já foi o maior lixão da América do Sul e foi fechado em 2012. Mas bem próximo a ele, um depósito de lixo irregular consome a paisagem como um tumor cancerígeno. Dele sobe uma fumaça que chega a incomodar nossos narizes mesmo do helicóptero. O depósito de lixo é administrado por uma máfia que cobra taxas das empresas que lá despejam seu lixo, muitas vezes tóxico.
Meio ambiente dá o troco
"Todo o mal que fazemos para o meio ambiente, recebemos de volta de uma forma ou de outra", diz Moscatelli. "Na forma de veneno, inundações, secas extremas, incêndios, doenças, fedor e até acidentes."
Lixões ao redor dos aeroportos são estritamente proibidos, porque atraem pássaros grandes como os abutres, que podem provocar quedas de aviões ao se prenderem às turbinas. O Aeroporto do Galeão fica a cerca de cinco quilômetros do depósito ilegal de lixo no Gramacho. Mas no Rio sempre é preciso acontecer alguma coisa ruim para que alguém reaja. Ou pelo menos diga alguma coisa. E depois, por anos nada acontece.
No final, Moscatelli faz questão de destacar algo: "Não sou um São Francisco, mas tenho uma coisa que por aqui anda faltando: vergonha na cara. Como profissional do ambiente não posso ficar assistindo a tudo se degradando sem fazer nada."
Philipp Lichterbeck
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