quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Linguiça

Minha avó Ema usava uma expressão que nunca chegamos a decifrar exatamente, embora seu sentido fosse claro: “Pendura na linguiça”. Uma notícia sem importância, uma informação absolutamente inútil, uma fofoca irredimível? Pendura na linguiça. De onde a vó Ema tirara a linguiça, de que lembrança de um remoto passado rural ela trouxera a frase pronta, ninguém sabia — acho que nem ela. Mas a frase foi adotada pela família. O destino do que era falso ou irrelevante era ser pendurado numa linguiça, na companhia presumível de tudo o que tradicionalmente enche as linguiças.

Grande parte do discurso público ouvido no Brasil não merece outra coisa além de ser pendurado na linguiça. Não se trata de fake news fabricada especificamente para confundir, ou da retórica vazia do discurso político, facilmente caricaturável, nem do folclore instantâneo do mal explicado dinheiro entre as nádegas. Trata-se do discurso oficial, ou pseudo-oficial, do governo, da língua com a qual o poder se comunica e se desnuda, e expõe sua mediocridade. A língua de um governo de generais de fatiota, comandados por um capitão e seus filhos, e dividido em facções que não se entendem só pode ser a língua do caos disfarçado. Pior do que isso é quando o próprio capitão parece ter um gosto pelo caos.

Para um dos seus musicais de sucesso na Broadway, o compositor americano Stephen Sondheim escreveu uma canção em que uma veterana atriz lamenta que sua vida acabou como um circo vazio, sem público, sem brilho, sem amor, sem nada. E ela canta “Que entrem os palhaços”, pois só faltam palhaços para que o cenário da sua tristeza volte a ser um circo. O mesmo melancólico fim nos espera num Brasil que cada vez mais se parece com um circo falido. Para ser um circo, só faltam os palhaços. Onde estão os palhaços? Não é preciso procurá-los. Os palhaços somos nós.

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