domingo, 19 de janeiro de 2020

Quanto mais tempo líderes populistas permanecem no poder, mais radicais se tornam

Quando passei um mês numa viagem de pesquisas na Índia, em dezembro de 2014, meio ano após a chegada ao poder de Narendra Modi, os escritores, acadêmicos e intelectuais que encontrei estavam mergulhados numa grande discussão sobre o futuro de seu país.

Todos rejeitavam Modi, nacionalista hindu fervoroso, devido ao seu desdém pela Constituição secular indiana. Mas estavam divididos quanto ao impacto que seu governo provavelmente teria sobre as liberdades fundamentais que eles desfrutavam.

Alguns temiam que Modi pudesse avançar rapidamente para sufocar qualquer dissensão. Outros faziam pouco-caso desses receios, que consideravam exagerados.

Modi causou danos consideráveis em seus cinco primeiros anos no poder, enfraquecendo tanto as liberdades desfrutadas por seus críticos quanto as minorias religiosas do país. Mas o pior ainda estava por vir.


Quando Modi foi eleito com maioria ainda mais expressiva na primavera do ano passado, seu governo começou a tomar iniciativas radicais para desmontar o secularismo da Constituição indiana; pode-se argumentar que ele causou mais danos nos primeiros meses de seu segundo mandato do que havia feito nos cinco anos anteriores. Algumas das preocupações levantadas sobre Modi que pareceram exageradas ao término de seu primeiro mandato agora começam a revelar-se prescientes.

Um grande movimento de protesto tomou forma nas últimas semanas para se opor a essas medidas radicais. Em cidades e universidades de todo o país, cidadãos de todas as religiões vêm protestando contra o governo de Modi. Sua reação tem sido brutal: em alguns estados o governo evocou estatutos da era colonial para proibir reuniões com mais de cinco pessoas. Outros estados fecharam o acesso à internet. Vídeos brutais mostram policiais agredindo estudantes suspeitos de ter protestado contra o governo.

Muitos observadores da Índia se surpreendem pelo fato de Modi ter ficado tão mais extremo em seu segundo mandato. Mas uma comparação traçada com governos populistas em todo o mundo sugere que a Índia está seguindo um roteiro previsível do que fazem candidatos a líderes autoritários quando são reeleitos.

Como já vimos em países que incluem a Hungria, Turquia e Venezuela, inicialmente os líderes populistas são limitados em sua capacidade de concentrar o poder nas próprias mãos. Muitas instituições essenciais, incluindo os tribunais e as comissões eleitorais, ainda estão dominados por profissionais de mente independente e que não devem sua nomeação ao novo regime. Veículos de imprensa ainda conseguem e se dispõem a noticiar escândalos, forçando o governo a agir com alguma cautela.

A partir do momento que esses governos são reeleitos, essas limitações à sua ação começam a desaparecer. Com a saída dos juízes e servidores públicos de pensamento independente, os líderes populistas se sentem fortalecidos para tentar concretizar seus sonhos despóticos.

Trata-se de um aviso para os Estados Unidos. Em seu primeiro mandato como presidente, Donald Trump causou prejuízos graves ao estado de direito. Mesmo assim, algumas das previsões mais extremas traçadas sobre seu governo mostraram-se infundadas até agora. Por exemplo, o aviso lançado por Madeleine Albright sobre fascismo iminente mostrou ser excessivamente dramático.

Talvez seja por isso que o medo e o repúdio que impeliram protestos tão grandes nos primeiros meses de 2017 pareçam ter se dissipado. Muitos americanos hoje supõem que a reeleição de Trump trará nada pior do que mais quatro anos do que estamos vendo até agora —terrível, sem dúvida, mas hoje um terrível que já conseguimos imaginar.

Mas o que vem acontecendo na Índia e Polônia deveria chocar os americanos, arrancando-os da complacência. O primeiro mandato de Trump é na melhor das hipóteses um indicativo imperfeito dos horrores que podem estar à espreita dos americanos se ele conseguir conquistar um segundo mandato.

Isto também é um aviso ao Brasil. Com Jair Bolsonaro agora no poder há pouco mais de um ano, é tentador supor que os acontecimentos dos últimos 12 meses constituem um indício confiável do que ainda vem pela frente. Mas a trajetória de outros líderes populistas sugere que supor isso seria um erro grave: quanto mais tempo líderes populistas permanecem no poder, mais radicais e perigosos eles se tornam.
Yascha Mounkprofessor associado na Universidade John Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia"

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