domingo, 19 de janeiro de 2020

Ciclo das lorotas chega ao fim

As lágrimas do comediante escorrem do cérebro; as do homem sensível, de seu coração, dizia o filósofo Denis Diderot. Na política também é assim. Políticos vivem de representações e criam projeções que se confundem com seus personagens. Poucos podem dizer que o “eu” e o “ele” são a mesma coisa. Alguns construíram perfis sobre conceito negativo que, banalizado, passou a ser aceito. Exemplos são aqueles popularizados pelo “rouba, mas faz”.

Muitos esticam seu ciclo político graças à caricatura. São conhecidos como “estradeiros, pai dos pobres, desenvolvimentistas, heróis da pátria”.

Comediantes impressionam plateias não pela verdade, mas pela performance. O ciclo dos histriões está chegando ao fim. A máscara cai nessa quadra em que grupos e movimentos clamam por atitudes éticas e morais.

Antonio Lucena
A quebra de paradigmas sinaliza o enterro da era do engodo, da mentira, das promessas mirabolantes. Escasseiam as águas do populismo, que ganhou culminância na era getulista (anos 30) e prosseguiu com o desenvolvimentismo de JK, o trabalhismo de João Goulart, o autoritarismo de Jânio Quadros, o nacionalismo, de viés esportivo, de Médici nos anos de chumbo, o olimpismo-modernizante de Collor, o apartheid social (“nós e eles”) de Lula, para registrar apenas alguns.

Nos Estados, casos mais emblemáticos vêm de São Paulo, nos governos de Adhemar de Barros e Paulo Maluf. O primeiro marcou o “rouba, mas faz”, refrão que colou depois na imagem do segundo, em razão do seu obreirismo faraônico e o slogan “Maluf fez, Maluf faz”. O tempo aliviou essa carga negativa. O país abriu os cofres da corrupção, e casos antigos foram considerados de pequena monta em face dos atuais.

No passado, o populismo se banhava nas grandes mobilizações. Hoje, não há mais comícios, e as manifestações de rua ganham outros focos, a partir dos serviços públicos. A massa está desconfiada, a mídia assopra a fogueira de escândalos, e a operação ícone do momento, a Lava Jato, esfumaça o ambiente. Espectadores, sem ilusões, exercitam seu espírito crítico, puxando atores do palco e denunciando a encenação.

Nos últimos tempos, multiplicou-se a violência; os serviços públicos se deterioraram; o desemprego chegou ao pico de 12 milhões de desempregados, enquanto a extrema pobreza aumentou para 14 milhões. A renda mensal inferior a R$ 145 (R$ 4,80 por dia), é insuficiente para necessidades básicas. A moldura é feia: saúde precária, remédios caros e a vida insuportável para milhões de pessoas. O povo quer um ator despido de demagogia. Que chore com o coração, e não com o cérebro. A indignação popular atinge o pico. Um sentimento de revolta oxigena a democracia.

John Stuart Mill, em “Considerações sobre o Governo Representativo”, distingue duas espécies de cidadãos: ativos e passivos. Os governantes preferem os segundos, por serem mais fáceis de dominar, mas a democracia necessita dos primeiros. Os passivos mais parecem ovelhas dedicadas a pastar capim, nunca reclamam.

O povo percebe a enganação e não quer mais pagar tributo por uma expressão caricatural, grotesca, mímica, demagógica.

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