segunda-feira, 29 de julho de 2019

A lição de Tião Salgado

Em setembro de 2000, fui convidado para um seminário em Nova York, patrocinado pelo Global World Forum. Na sala onde faria a participação, havia jovens até sentados no chão. Antes que eu começasse a falar, um deles perguntou o que eu achava de internacionalizar a Amazônia: “Não quero sua resposta como brasileiro, mas como humanista”.

Falei que poderia considerar a hipótese se antes fossem internacionalizados todos os poços de petróleo, armas nucleares, museus, cidades históricas, tudo de importante para a humanidade. Declarei que, quando tudo isso for internacional, poderemos discutir a internacionalização da Amazônia. Até lá, ela é só nossa. A fala teve grande repercussão, foi traduzida em muitos idiomas; inclusive incorporada em coletânea de grandes discursos.


Sempre achei que fiz uma boa conclusão, até que o fotógrafo Sebastião Salgado, amigo há 50 anos, disse que não gostava da conclusão, porque, se não formos capazes de cuidar dos patrimônios da humanidade que estão no nosso território, não merecemos tê-los só para nós. Lembrei-me de Tião Salgado ao ver o ministro general Heleno Nunes dando a impressão de que temos o direito de queimar a Amazônia porque ela é nossa.

A Amazônia é nossa, mas é um patrimônio mundial. Sua destruição irresponsável, em nome do nacionalismo, é um holocausto verde ao sacrificar a humanidade inteira. Nenhum nacionalismo tem o direito de se opor ao humanismo porque é imoral e estúpido, indecente e insensato. Por isso devemos usar a Amazônia com responsabilidade planetária. A Terra é um condomínio de países. No mundo atual, na Era Antropocena do poder humano descomunal, nenhum país está isolado.

O presidente Bolsonaro comete grave erro diplomático e pecado humanista ao apontar para o presidente francês e para a chanceler alemã e lembrar que, desde os romanos, a Europa queima florestas e que, por isso, eles não têm autoridade para nos criticar quando queimamos a Amazônia. Deveria desafiar Macron e Merkel a reflorestar o mundo; propor uma disputa para ver que país reflorestaria mais do que nós, brasileiros; uma disputa humanista no lugar do holocausto verde que o general e o presidente parecem estar querendo cometer em nome de um nacionalismo suicida.

Poderíamos desafiá-los a enfrentar Donald Trump e Vladimir Putin que vão explorar petróleo no Polo Norte e enfrentar o governo japonês, que autorizou caça às baleias.

A Amazônia é nossa, mas nós, brasileiros, temos a obrigação de entender que somos também humanos e humanistas, nacionalistas e inteligentes, e, portanto, devemos cuidar bem de nossas florestas, porque elas existem há mais tempo do que o Brasil e porque o mundo do qual somos parte precisa delas para sempre.

Aprendi a lição de Tião Salgado e tento passá-la a outros, mesmo que generais e presidentes não estejam preparados para entender o quanto o nacionalismo suicida é anti-humanista, insensato e indecente.

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