Joel Pinheiro da Fonseca diz na revista Exame: “Em toda oportunidade que tem, diz que embora o Estado seja laico, ele próprio é cristão. Seu lema de campanha incluía Deus. Ele já fez menção de que a religião evangélica será um critério para sua indicação de ministro no Supremo Tribunal Federal. Fez questão de participar da Marcha para Jesus no mês passado. Contudo, quando olhamos para suas propostas e valores, a impressão é bem diferente.”
De facto, bastam alguns indicadores para entender rapidamente que o seu discurso religioso não confere com a acção política. Se a fé cristã prega o perdão dos pecados e a redenção dos homens, Bolsonaro propõe e exalta a execução dos criminosos. Se o evangelho proclama a dignidade da pessoa humana, Bolsonaro defende publicamente a tortura e a execução sumária. Se o cristianismo prega uma mensagem universal e a missionação, Bolsonaro coloca-se como inimigo dos indígenas e procura submetê-los aos interesses da expansão agrária. Se Jesus frisou o cuidado pelos pobres, o governo de Bolsonaro não parece interessado nas políticas sociais. Se o cristianismo fala de paz, Bolsonaro propõe a difusão das armas.
Mas da parte das lideranças cristãs o panorama não é melhor. Recentemente uma vintena de deputados da Frente Parlamentar Evangélica votou favoravelmente a reforma da Previdência, que obriga os trabalhadores brasileiros a trabalhar mais para se aposentar, mas não foram capazes de prescindir das suas próprias mordomias nessa matéria. Ou seja, aprovaram uma lei punitiva para a população em geral mas puseram-se de fora, conservando os privilégios de que tinham em mãos. Já não bastava que parte dos deputados evangélicos tenham sido considerados dos mais corruptos nos tempos do famigerado Mensalão…
Outro exemplo. O pastor Marco Feliciano, chegou-se rapidamente à frente para afirmar publicamente que gostaria de concorrer à vice-presidência do Brasil ao lado de Bolsonaro, em 2022, manifestando assim a sua indisfarçável e desmedida ambição política. Agora se compreende melhor a campanha suja que vem fazendo contra o actual vice, o general Mourão. Aliás, os líderes neopentecostais têm vindo a manifestar ao longo das últimas décadas uma preocupante sede de poder. Apoiaram abertamente candidatos e presidentes de quadrantes políticos tão diferentes como Lula, Dilma, Temer e agora Bolsonaro. No fundo eles não apoiam pessoas, políticas, programas ou ideologias. São apenas atraídos pelo poder como as traças pela luz.
Mas a cereja em cima do bolo será talvez a decisão já anunciada publicamente por Jair Bolsonaro de designar o seu filho Eduardo para o cargo de embaixador do país nos EUA. E a justificação para este acto de puro nepotismo é hilariante: “(Eduardo) é amigo dos filhos do Donald Trump, fala inglês e espanhol, tem uma vivência muito grande do mundo”, pelo que “poderia ser uma pessoa adequada e daria conta do recado perfeitamente”.
A personagem tem procurado capitalizar o apoio dos evangélicos mas não revela qualquer identificação séria com a ética cristã, nem sequer na aparência. Calcula-se que produza em média uma afirmação falsa ou distorcida por dia. Alguém lembrou, a propósito, as palavras de Jesus de Nazaré: “Nem todo o que me diz: ‘Senhor, Senhor!’ entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.” (Mateus 7:21). Já S. Paulo advertia o jovem Timóteo sobre aqueles que, tendo aparência de piedade, todavia negavam a eficácia dela. E concluía: “Destes afasta-te” (2 Timóteo 3:5).
Ao contrário de qualquer político experiente, Bolsonaro, uma vez eleito, não se posicionou como presidente de todos os brasileiros. Pelo contrário, continuou a cavar o fosso entre direita e esquerda. Assiste-se assim ao extremar de posições e ao desaparecimento do centro político. Se alguém critica Bolsonaro é taxado de comunista ou, no mínimo, de lulista e recomenda-se que vá para Cuba ou Venezuela. Se apoia o presidente é apelidado de fascista.
Assim é difícil construir qualquer coisa.
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