quarta-feira, 26 de junho de 2019

Era uma vez um governo

O presidente Jair Bolsonaro passou de uma campanha eleitoral, que foi teoricamente encerrada em novembro de 2018, a outra, que teoricamente deveria começar em 2022. É a campanha permanente, sem pontes ou escalas, sem uma paradinha para exercer o governo, por pequena que seja. Um matemático poderia dizer, depois de alguns cálculos, que houve, de interregno, dois meses, neste ano, nos quais Bolsonaro governou: nomeou ministros, tomou posse das gavetas e da caneta, encenou algumas reuniões ministeriais e ouviu preleções de Paulo Guedes, o ministro da Economia. Mas em seguida desfez muito do que havia supostamente feito, desnomeando ministros, assinando decretos espetaculares logo em seguida revogados por contrariarem a Constituição, deixando os conflitos e crises tomarem conta do seu espaço. Uma balbúrdia, desta vez autêntica e visível.

Bolsonaro, nesse período, entrou em conflito com os demais Poderes, desafiou-os, mas enfrentou também, por nada, gente do governo, o seu. Fez o que depois poderia desfazer. É recorde o que já trocou de primeiro e segundo escalão. Decretos e medidas provisórias de que teve que recuar, um bom número. O presidente, à moda Lula, recorre com frequência ao "não sabia", só que, no seu caso, o desconhecimento alegado é das leis, da Constituição e dos princípios que deveriam determinar seus atos como presidente.

Ele não parece ler o que sanciona ou veta. O Palácio trabalha com o fígado e o governo vai sendo tocado pela equipe econômica, cuja produção não se conhece pois só poderá ser revelada após a aprovação da reforma da Previdência. O setor da da infraestrutura também trabalha, mas os investidores não dão as caras. No mais é um blá-blá-blá ideológico sem fim de ministros, aliados, gurus, filhos e quem mais esteja na linha de frente da campanha eleitoral da reeleição.

Que ninguém pense que o eleitorado de Jair Bolsonaro está insatisfeito com sua performance. Ao contrário. Não foi escolhido por ser um expert em políticas públicas, ou na preservação das instituições democráticas.

Ele cultiva com maestria aquele segmento de eleitores que estiveram ao lado dele no primeiro turno, 34,4% do eleitorado brasileiro são seus seguidores do peito. Se perdeu um ou outro pelo caminho, deve ter ganhado outros. Na verdade, quando atua, o faz para cultivar esse grupo do primeiro turno.


O percentual de votação de primeiro turno (o segundo não vale nesta análise porque tem o voto dos sem opção) é uma montanha de votos. Ele cultiva isso de forma sistemática, incansável, ampla, mesmo que crie casos e entre em conflitos com todos. Suas questões são ideológicas. É sobre isso que sabe falar e o que agrada aos seus. Os eleitores se mantem fieis aos sentimentos que ele expressou a e continua a expressar agora, na campanha contínua.

Quando Bolsonaro faz algumas declarações esquisitas, não fica absolutamente diminuído perante seus eleitores. Ao contrário, reforça os laços, a identificação é automática.

"Ao contrário do que muitos têm comentado, a imagem do presidente está preservada ou até mais forte hoje do que estava no momento da sua eleição", assinala o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, um especialista em campanhas e análise de pesquisas, antecipadas ou não. Na última pesquisa XP/ Ipespe, diz Lavareda, presidente do Instituto, Bolsonaro tem 34% de Ótimo/Bom - mesmo percentual do eleitorado total que obteve no primeiro turno. E 46% têm a expectativa de que irá fazer um governo ótimo ou bom no restante do mandato. Mais que os 39,2% que votaram nele no segundo turno".

Para Lavareda, Bolsonaro não é produto do marketing ou uma equipe de propaganda, só. Esses ajudam, com sugestões, como Duda Mendonça e João Santana ajudaram Lula com dicas. Mas só a sua participação não seria suficiente se o candidato não fosse talhado para fazer o que tem feito Bolsonaro e o que fazia Lula. "É assim mundo afora, em todos os lugares. Bill Clinton fazia ele próprio as perguntas a serem incluídas nas pesquisas, conduzindo sua campanha no detalhe".

O comentário do presidente sobre a Fórmula 1, está semana, foi a coisa mais emblemática disso. Falando sobre a transferência da Fórmula 1 para o Rio, alfinetou João Doria, dizendo que se for candidato a presidente não precisa se preocupar com a saída do circuito de São Paulo, mas se for candidato à reeleição sim. Nomeou seu adversário, um deles, e tentou criar-lhe algum constrangimento. A tamanha distância, ninguém, a não ser Bolsonaro, pode declarar-se candidato com retorno positivo.

"O que acho melhor de tudo isso, sinceramente, é que ele faz tudo com a maior clareza possível. Se há alguma coisa da qual não pode ser acusado, se isso for tomado como defeito, é de mineirice. Esse é o menos mineiro de nossos presidentes", afirma Lavareda.

Apesar do comentário sobre Doria, o PT e Lula continuam sendo o alvo preferencial da campanha ideológica de Bolsonaro. Já colocou também na roda de adversários Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Enquanto não surgem novos atores o presidente ruma para outras regiões onde ainda não é rei, como o Nordeste, periferias de grandes cidades, pequenas cidades do interior.

Sua presença frequente em programas de TV de grande audiência nessas áreas é com este objetivo. A exibição em viagens internacionais vazias, a presença em estádios de futebol, as bravatas e a defesa insistente no porte de armas estão nesse arsenal de questões aleatórias, porém impregnadas de barulho eleitoral.

Bolsonaro está mobilizando em sua campanha séquitos de seguranças e infraestrutura da Presidência, como fez no rali do último fim de semana, mas quem se importa com legalidade a esta altura? Dizem que o presidente, paraquedista que é, vai até pular de paraquedas brevemente, sem reciclagem.

Há um mistério a impedir a completa transparência desse Bolsonaro munido da gana da reeleição. O que fará com Sergio Moro, o ministro da Justiça pop, à frente dele em pesquisas sobre intenção de voto. A história que ambos contam sobre nomeação para o Supremo Tribunal Federal é claramente diversionista.

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