quarta-feira, 26 de junho de 2019

Nosso cérebro atrapalha o combate às mudanças climáticas

Sabemos que o aquecimento global está acontecendo. É consenso também que as mudanças climáticas são resultado do aumento das emissões de carbono pelas atividades humanas, como a degradação da terra e a queima de combustíveis fósseis. Por fim, sabemos que precisamos de uma solução urgente.

Um recente relatório internacional de especialistas em clima alerta que a Terra deve registrar um aquecimento médio de 1,5°C nos próximos 11 anos.

Quando isso finalmente ocorrer, podemos esperar um "aumento dos riscos para a saúde, meios de subsistência, segurança alimentar, abastecimento de água, segurança humana e crescimento econômico".

Os mesmos especialistas também descobriram que o aumento da temperatura já alterou os sistemas humanos e naturais de maneira profunda, resultando em condições meteorológicas mais extremas, o derretimento de calotas polares, a elevação do nível do mar, secas, enchentes e a perda crescente de biodiversidade.

Apesar de sabermos disso tudo, não mudamos até agora nossos comportamentos em uma escala grande o suficiente para impedir as mudanças climáticas. Por quê?


A resposta pode estar em nossa própria evolução. Os mesmos comportamentos que nos ajudaram a sobreviver estão hoje atuando contra nós.

Mas é importante lembrar-se de uma coisa. De fato, nenhuma outra espécie evoluiu de modo a criar um problema tão grande - mas nenhuma outra espécie evoluiu com uma capacidade tão extraordinária de resolvê-lo.
Vieses cerebrais

A dificuldade de trabalharmos em conjunto para pôr fim ao aquecimento global se deve à forma como nossos cérebros evoluíram nos últimos 2 milhões de anos.

"Os seres humanos são muito ruins em entender as tendências estatísticas e as mudanças de longo prazo", diz o psicólogo político Conor Seyle, diretor de pesquisa da One Earth Future Foundation, uma incubadora de programas que foca na promoção da paz a longo prazo sediada no Colorado, nos Estados Unidos.

"Evoluímos para prestar atenção às ameaças imediatas. Superestimamos ameaças que são menos prováveis, mas mais fáceis de lembrar, como o terrorismo. Por outro lado, subestimamos ameaças mais complexas, como as mudanças climáticas", explica.

Nas fases iniciais da existência humana, enfrentamos uma série de desafios diários à nossa sobrevivência e à nossa capacidade de reprodução - de predadores a desastres naturais. Muita informação pode confundir nossos cérebros, levando-nos à inação ou a escolhas erradas que podem nos colocar em perigo.

Como resultado, nossos cérebros evoluíram para filtrar informações rapidamente e se concentrar no que é imediatamente essencial para nossa sobrevivência e reprodução. Também evoluímos para lembrar tanto das ameaças, para que fossem evitadas no futuro, quanto das oportunidades, para que pudéssemos lembrar encontrar fontes de alimento e abrigo.

Essas evoluções biológicas garantiram nossa capacidade de nos reproduzir e sobreviver ao fazer com que nossos cérebros economizassem tempo e energia para lidar com grandes quantidades de informações. No entanto, essas mesmas funções são menos úteis em nossa realidade moderna e provocam erros quando temos que tomar decisões racionais. São os chamados vieses cognitivos.

"Vieses cognitivos que garantiram nossa sobrevivência inicial dificultam o enfrentamento de desafios complexos e de longo prazo que agora ameaçam nossa existência, como as mudanças climáticas", diz Seyle.

Os psicólogos identificaram mais de 150 vieses cognitivos que todos compartilhamos. Desses, alguns são especialmente importantes para explicar nossa inação sobre as mudanças climáticas.

Desconto hiperbólico: Damos mais valor ao presente do que ao futuro. Durante a maior parte de nossa evolução, foi mais vantajoso nos concentrarmos no que pode nos matar ou nos devorar agora, não mais tarde. Esse viés agora impede nossa capacidade de agir para enfrentar desafios mais distantes, lentos e complexos.

Nossa falta de preocupação com as futuras gerações: A teoria evolucionista sugere que nos preocupamos mais com apenas algumas gerações de nossas famílias. Em outras palavras: dos nossos bisavós aos nossos bisnetos. Sendo assim, apesar de sabermos o que precisa ser feito para lidar com as mudanças climáticas, temos dificuldade em observar por que devemos nos sacrificar para as gerações futuras.

O efeito espectador: Tendemos a acreditar que sempre haverá alguém que vai lidar com uma crise por nós. Desenvolvemos essa característica ao longo de nossa evolução. Se um animal selvagem ameaçador está pronto para atacar nosso grupo, seria um desperdício de esforço se cada membro entrasse em ação - sem mencionar que isso colocaria desnecessariamente mais pessoas em perigo. Em grupos menores, era claro quem agiria contra essas ameaças, então, essa tática funcionava. Mas, hoje em dia, esse pensamento nos leva a supor (muitas vezes erroneamente) que nossos líderes devem estar fazendo algo sobre o aquecimento global. E, quanto maior o grupo, mais forte esse viés se torna.

A falácia do custo irrecuperável: Somos inclinados a manter o mesmo curso mesmo diante de resultados negativos. Quanto mais tempo, energia ou recursos investimos nesse curso, maior a probabilidade de continuarmos com ele - mesmo que não seja o mais ideal. Isso ajuda a explicar, por exemplo, nossa dependência contínua de combustíveis fósseis como fonte primária de energia apesar de décadas de evidência de que podemos - e devemos - fazer a transição para energia limpa e um futuro sem carbono.

Esses vieses cognitivos evoluíram por um bom motivo. Mas agora estão prejudicando nossa capacidade de responder ao que poderia ser a maior crise que a humanidade já criou ou teve que enfrentar.

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