Quando, porém, o papa e a Igreja Católica buscam estudar e analisar a progressiva degradação do planeta, muitos se esquecem de que a vida é a obra suprema. O próximo sínodo dos bispos sobre a Amazônia, a realizar-se em Roma, é o exemplo concreto da preocupação que deveria abarcar toda a sociedade, não apenas os católicos e os luteranos tradicionais, mas, mesmo assim, é atacado.
No Brasil, porém, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (sucessor do antigo SNI dos tempos ditatoriais), está preocupado com o sínodo e o considera uma afronta ao governo Bolsonaro e à própria soberania do Brasil. “Nós não damos palpite sobre o Deserto de Saara ou o Alasca”, disse, adiantando que o governo pretende neutralizar as conclusões que surjam do sínodo...
Por que “neutralizar”, se a reunião será em outubro e nem se sabe o que recomendará?
Convocado pelo papa Francisco em 2017, um ano antes da eleição de Bolsonaro, o sínodo é uma reunião interna da Igreja e só a ela cabe definir os próprios rumos. O bispo de Marajó, dom Evaristo Spengler, um dos relatores do encontro (junto a prelados de outros oito países) lembra que a Igreja “não pode ser neutra ou impassível” diante de um crime causado pela visão de lucro fácil. Está em risco um exuberante bioma que se estende das montanhas do Peru, junto ao Oceano Pacífico, até o Atlântico.
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional foi comandante militar na Amazônia brasileira e hoje é a figura mais influente do governo, mas se equivocou ao não entender a missão da Igreja. Amar o planeta não será, antes de tudo, amar a humanidade? No equívoco teve até a companhia de alguns que – alheios à realidade interna da Igreja – fantasiaram situações ou divisões há muito inexistentes no catolicismo ou entre os membros do Conselho Mundial de Igrejas.
O sínodo sobre a Amazônia será, de fato, o desdobramento concreto da encíclica Laudato Si’, do papa Francisco, sobre “os cuidados com a casa comum”, nosso planeta. Lançada em maio de 2015, é o mais importante documento do século. Profundo, analítico e didático, alerta sobre a responsabilidade de cada um na vida no planeta. Denuncia a horda brutal da cobiça que, alegando um falso “progresso”, entende que a natureza é algo a destruir e malbaratar, a desrespeitar e odiar. E que tudo, até o horror, é válido em nome do lucro...
A encíclica deu nova dimensão à luta pela preservação ambiental. Ao superar as ribombantes frases declaratórias dos governos e governantes, saltou dos discursos para a consciência dos indivíduos, a partir do conceito de vida.
O meio ambiente surgiu (ou ressurgiu) como tema teológico, ligado umbilicalmente à vida na Terra ou à nossa existência e ao que nos rodeia. Anos antes, em 2008, o papa Bento XVI havia definido quatro novos “pecados capitais” – a poluição ambiental foi um deles, ao lado da manipulação genética, das drogas e da exploração econômica que provoca a desigualdade social.
Mas na voraz sociedade de consumo (que naturalmente nos conduz ao hedonismo e ao prazer) a ideia de “pecado” já não tem a profundidade de séculos atrás. Hoje, se não somos capazes de dominar os sete pecados capitais da tradição bíblica – gula, luxúria, avareza, ira, soberba, vaidade e preguiça –, como incorporar os quatro apontados no século 21?
A encíclica sobre “os cuidados com a casa comum” abriu nova reflexão a respeito da responsabilidade não só dos governantes ou dos empresários, mas de cada um de nós em torno da vida no planeta. O sínodo busca encontrar caminhos para concretizar o que a encíclica aponta.
A Igreja não é um ente etéreo. Historicamente, está comprometida com a defesa da vida. Aquilo que a teologia chama de eternidade é, em essência, a manutenção da vida tal qual foi estabelecida pelo Deus criador, seja ele qual for – o “fiat lux” da Bíblia ou o “big-bang” da ciência.
Só há eternidade se houver o planeta. Sem ele, é o nada!
Afinal, por que defender o meio ambiente apenas nas grandes conferências de chefes de Estado e, logo, relegar as palavras a plano inferior?
A Eco-92, realizada há 27 anos no Rio de Janeiro, elaborou a Agenda 21 como cartilha a adotar no novo século para nos salvar da hecatombe próxima. Em 2012, também no Rio, nos 20 anos da reunião anterior, nova reunião de cúpula dos chefes de governo reiterou a advertência, sem que o essencial houvesse mudado. O aquecimento global continuou, sem medidas urgentes de reversão.
Agora, porém, quando o sínodo dos bispos sobre a Amazônia busca saídas para mitigar e extirpar o horror numa região sensível do planeta, há quem use até “o nome de Deus” para se opor à iniciativa...Flávio Tavares
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