A questão central é que os parlamentares que apoiam a reforma e se dispõem a liderar o esforço por sua aprovação estão cada vez mais descontentes com o fato de que o próprio Bolsonaro não se apresenta para defender com vigor a proposta. Não são poucos os que temem arcar sozinhos com o ônus político da reforma enquanto o presidente hesita ante a natural impopularidade do tema – quinta-feira passada, por exemplo, Bolsonaro disse que, “no fundo, não gostaria de fazer a reforma da Previdência”, embora reconheça que seja necessária.
O fato é que Bolsonaro parece raciocinar ainda como deputado, condição que o tornaria mais suscetível à pressão de suas bases, e não como presidente, que deve governar para o conjunto da sociedade, com coragem para tomar medidas que podem eventualmente desagradar a seus eleitores.
A julgar pela desorganização de sua articulação política – até mesmo um dos filhos do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, diz ter sido designado para fazer contatos com deputados em nome do pai –, soa otimista a previsão oficial de que a reforma da Previdência possa ser votada ainda no primeiro semestre e de que faltariam pouco menos de 50 votos para aprová-la, como disse o ministro da Economia, Paulo Guedes.
O governo dá a impressão de apostar que Bolsonaro, por ter sido eleito pela “vontade de Deus”, como disse na recente visita aos Estados Unidos, aprovará no Congresso todas as pautas de seu interesse sem necessidade de negociação. Não é o que pensam, contudo, os principais parlamentares empenhados na aprovação da reforma. Para esses políticos, só a “vontade de Deus” não basta quando se trata de convencer três quintos da Câmara a aprovar uma emenda constitucional, especialmente a que endurecerá as regras para a aposentadoria.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por exemplo, alertou que a Casa “não tem 320 liberais” e que será preciso convencer até 280 deputados que não foram eleitos com a agenda da reforma da Previdência.
Se já não seria tarefa simples mesmo para experimentados articuladores, essa empreitada tende a ser muito mais complicada se o governo não se dispõe a fazer política. Até deputados da chamada bancada evangélica têm reclamado da falta de diálogo. Ademais, quando o presidente da República se reúne com parlamentares para ouvir reivindicações com vista a obter apoio à reforma e em seguida vai às redes sociais se queixar de que “a velha política” está “querendo nos puxar para fazer o que eles faziam antes”, manda uma mensagem ambígua sobre sua disposição para negociar.
Ao dar a entender que todas as demandas dos parlamentares são fisiológicas, o presidente colabora para criar um clima de fricção com o Congresso. Não surpreenderá se alguns dos parlamentares que hoje colaboram abertamente com o governo para costurar apoio à reforma da Previdência passarem a ficar reticentes, à espera de um suporte mais explícito do presidente. O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ameaça abandonar a articulação se continuar sob ataque das milícias virtuais bolsonaristas e dos filhos de Bolsonaro, sob o olhar complacente do pai.
Não basta a Bolsonaro dizer que a aprovação da reforma da Previdência vai acontecer só porque seu governo adotou “uma maneira diferente de negociar”, em que “o sentimento patriótico e a busca do consenso são fundamentais”, como escreveu em artigo publicado no jornal Valor. Como deveria saber qualquer iniciante na vida política, apelos patrióticos podem até animar eleitores e militantes, mas não costumam ser suficientes para arregimentar apoio no Congresso, ainda mais quando o presidente da República pede votos a favor, mas age como se fosse contra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário