domingo, 16 de setembro de 2018

Grilagem política, clientelismo urbano

‘Blitz”, relâmpago em alemão, foram ataques aéreos fulminantes da Luftwaffe, a aviação de guerra nazista, sobre Londres e outras cidades do Reino Unido, que duraram mais de 60 noites, em 1941. O objetivo, além da destruição de centros urbanos, industriais e de logística, era abalar a moral dos ingleses. Não funcionou.

Mas conseguiu arrasar um ícone político e cultural, a Câmara dos Comuns.

Em 1943, debate entre os deputados concluía que a reconstrução da casa baixa do Parlamento deveria ser em forma de semicírculo, ou um pouco mais fechada, em forma de ferradura, e que também poderia ser maior, acomodando melhor funções e usos mais atuais, resultando em um ambiente que seria, enfim, mais apto às funções políticas.

Neste momento da discussão, Winston Churchill, o primeiro-ministro, fabuloso frasista, sai com uma de suas pérolas.

“Nós moldamos nossos prédios e depois nossos prédios nos moldam.”

E com isso encerrou a questão. A Câmara foi reconstruída quase como se fora uma reprodução perfeita.

Churchill expressou compreensão clara de que aquela forma de governo, os modos e hábitos comportamentais dos deputados, sentados tão próximos, separados em blocos antagônicos, mas pertencentes à mesma União, mirando-se olho no olho, tão intimamente distantes, estava direta e proporcionalmente ligada ao ambiente onde ela se dava. A forma do salão era também a forma de ser e agir.

Esta é uma percepção que vem faltando aos candidatos à Presidência da República e aos governos estaduais.

Caminhando para 90% de taxa de urbanização em 2020, um dos maiores do mundo, as lideranças brasileiras continuam a ignorar como as cidades brasileiras moldam a sociedade. E pior, como a ausência de forma, e até de urbanização, bestializa o povo brasileiro. Talvez seja essa a condição mais imoral da vida nacional, quando marcamos na carne das pessoas o seu CEP. Isto quando há um.

Cotidianamente, milhões sofrem em seus corpos as dores de má gestão da terra urbana, da ausência de políticas habitacionais, do transporte público precário e da péssima governança urbana.

As capitais brasileiras estão quebradas porque não conseguem mais recolher impostos que possam se converter em investimentos, pois o esparramamento informal da cidade não gera tributos. IPTU não é pago, eletricidade é furtada, os comércios e serviços não pagam taxas. A conta não fecha mais porque moldamos uma organização espacial que leva ao déficit econômico público e privado.

Como investir em saneamento básico ou em urbanização de favelas se nos faltam recursos? Por isso, vão os governos aos bancos internacionais, sujeitando nosso uso da terra aos conceitos vigentes da ordem mundial.

A não forma urbana está criando uma paisagem humana disforme, cujo posicionamento político já tem contornos definidos.

Não há como prover todos os serviços essenciais para uma família vulnerável que mora a 60 km do seu local de trabalho. É mentira dizer o contrário.

Improviso, informalidade, omissão do Estado e violência serão o cotidiano deste cidadão que só é visitado pelos candidatos a cada quatro anos. Não tem nem como cobrar depois, porque o ambiente do político será outro: Brasília.

Seria possível empreender uma transformação, todavia. Os imóveis abandonados nos centros urbanos, que portanto já existem, poderiam ser reciclados, reduzindo o investimento público e melhorando a conta do déficit habitacional de 7 milhões de moradias com os 6 milhões que estão vazios.

Assim, ofereceríamos um novo molde à cidadania brasileira, o lugar que já existe, com infraestrutura, serviços, cultura e memória.

Moldamos uma capital nova, em 1960, que contraditoriamente perpetua a segregação territorial por meio de lideranças viciadas no voto oriundo da informalidade, sempre trabalhando pelo crescimento das manchas urbanas, que, perdendo densidade, faz disseminar a ignorância.

Grilagem política gera clientelismo urbano.

Sem organizar a terra urbana, o solo público e privado das cidades brasileiras, combatendo a segregação, seremos sempre um povo hospedado, nunca integrado e jamais soberano.

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