terça-feira, 25 de setembro de 2018

Dinheiro público mal gasto na América Latina bastaria para acabar com extrema pobreza

A cada ano, a ineficiência do gasto dos Governos da América Latina e do Caribe gera um desperdício total de 220 bilhões de dólares (cerca de 891 bilhões de reais), equivalente a 4,4% do PIB. “Esse montante, bem investido, seria suficiente para acabar com a pobreza extrema na região", diz Alejandro Izquierdo, economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A instituição acaba de publicar um estudo de mais de 400 páginas em que analisa os orçamentos dos países da região e seu potencial de melhoria. A principal conclusão: em tempos de restrições orçamentárias, em que a margem fiscal é pequena, se pode (e se deve) fazer mais com menos. Se o gasto público não for bem feito, o futuro dos latino-americanos será comprometido.

Dedicar a esse problema o principal estudo que o BID publica a cada ano não é casual. “A maioria dos países da América Latina e do Caribe entrou recentemente ou está prestes a entrar na categoria de renda média. Consequentemente, os cidadãos estão exigindo mais e melhores serviços de seus Governos”, afirma Luis Alberto Moreno, presidente do órgão financeiro com sede em Washington e ex-ministro de Desenvolvimento Econômico da Colômbia. A tão necessária eficiência do gasto público será, em sua opinião, “crucial” para que os países sigam o caminho do desenvolvimento e evitem conflitos sociais. “Esse desafio é ainda maior diante da ameaça de taxas de juros internacionais mais altas, menores preços das matérias-primas e menor crescimento mundial.”


O Banco Interamericano de Desenvolvimento identifica três grandes fontes de ineficiência, presentes em maior ou menor grau em todos os países da América Latina e do Caribe: compras públicas –seja por problemas nas licitações, seja por ineficiências na seleção de projetos de investimento adequados ou corrupção, aumentando a eficiência seria possível economizar o equivalente a 1,5% do PIB da região–, transferências monetárias aos cidadãos –muitas vezes os beneficiários não são os mais necessitados, o que aumenta a desigualdade e desperdiça cerca de 1,7% do PIB– e os salários do setor público –os salários dos funcionários públicos representam uma porcentagem maior do orçamento total dos Governos da América Latina e do Caribe (29%) do que a média da OCDE (pouco mais de 24% ). “É uma questão muito difícil de resolver”, antecipa o economista-chefe do BID, Alejandro Izquierdo, referindo-se a este último ponto, um dos mais sensíveis. “Mas se comparamos os salários do setor público com os do setor privado, com o mesmo nível de qualificação, encontramos diferenças de 25%."

A América Latina e o Caribe seguiram o caminho menos recomendável na composição de seu gasto público. Nas últimas três décadas, os Governos do subcontinente optaram por aumentar o gasto corrente –principalmente, gasto social e salários– em detrimento do investimento, um dos principais determinantes do crescimento futuro de um país e, portanto, da qualidade de vida de seus cidadãos. “Muitas vezes, o gasto corrente cresce acima da tendência nos períodos de expansão da economia, mas depois o investimento público é alvo de cortes por conta de ajuste nos períodos de retração econômica, dizem os técnicos do BID. “Essa tendência em detrimento do investimento público prejudica o crescimento, já que o capital público é um fator determinante do investimento privado, que por sua vez é o principal motor do crescimento econômico. Acrescente-se a isso o fato de que o efeito multiplicador do investimento público sobre o produto é muito maior do que o gasto corrente, razão pela qual uma política de cortes de gastos que foca apenas no investimento público está errada.”

A América Latina seguiu, nesse ponto, uma tendência comum a todo o bloco de países em desenvolvimento que, ao contrário do que ocorreu nas economias industrializadas –onde a composição do gasto público se manteve praticamente estável–, o gasto de capital diminuiu em favor de um muito gasto muito mais de curto prazo. “Isso implica uma decisão consciente de priorizar os gastos atuais em relação aos investimentos para construir o futuro. Em suma, a atualidade ganha do futuro.” A desconfiança dos cidadãos em suas autoridades é, em grande medida, responsável por essa tendência em relação ao gasto corrente, segundo o estudo publicado nesta segunda-feira: “É um ingrediente fundamental: quando há um alto nível de desconfiança –seja por ineficiência do Governo ou pela corrupção flagrante–, os cidadãos preferem as transferências para investimentos de longo prazo”, acrescentam os técnicos do BID.

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