quinta-feira, 1 de março de 2018

Como existir paz num país que tenta conviver a miséria absoluta e a riqueza total?

A escalada da criminalidade é uma bomba-relógio que já explodiu sem que as elites percebessem. O fato concreto é que um dos países mais ricos e promissores do mundo foi transformado numa republiqueta chinfrim, onde as leis vigoram para uns, não atingem os outros e a Suprema Corte está sempre pronta a colaborar para a impunidade de políticos e empresários. Em meio a essa realidade contraditória e confusa, a estratégia em ação é tentar fazer com que a riqueza total conviva pacificamente com a miséria absoluta, fenômeno que não foi alcançado em nenhum país do mundo, porém o Brasil insiste em fomentar o confronto social, em função do desamparo das faixas mais carentes da população.

Em meio a esta guerra civil não-declarada, o governo usa as Forças Armadas para comandar uma salvadora mobilização pela segurança pública. Todos apoiam, porque sonhar ainda não é proibido e qualquer avanço será um alívio. Mas o problema não será solucionado. No final da história, muitos criminosos estarão soltos e os ricos e a classe média continuarão literalmente atrás das grades que os protegem.


Autoridades e formadores de opinião pretendem melhorar as condições de segurança, sem antes de preocuparem em alcançar condições mais adequadas em termos de emprego, saúde, educação, infraestrutura e transportes.
É constrangedor constatar a ilusão que representa este apelo às Forças Armadas para reduzir a criminalidade, que é o último recurso, não há Plano B. A intervenção é necessária, não apenas no Rio de Janeiro, mas no plano nacional, porque há cidades e Estados em condições ainda piores, acredite se quiser. É preciso haver penas mais rigorosas e transformar os presídios em locais de trabalho, para que os detentos desenvolvam atividades produtivos. Por exemplo, poderiam dar manutenção às viaturas policiais, que estão caindo aos pedaços e são sempre substituídas por frotas superfaturadas. Mas quem se interessa?

O Exército vai melhorar a situação no Rio, não há dúvida, mas apenas transitoriamente. O Brasil precisa de muito mais. É preciso mudar o país como um todo, e o primeiro passo é moralizar a administração pública, para que haja a eficácia e a transparência que todo governo anuncia, mas na verdade não existe.

Basta citar apenas um exemplo – a transparência do cartão corporativo de Rosemary Noronha, que é tão impenetrável quanto o sigilo do presidente Temer, quando a democracia exige que homem público não possa ter sigilo. Ora, se o homem público quer ter privacidade em suas contas bancárias, deveria escolher outra profissão.
Na verdade, o Brasil e o mundo ainda estão muito longe da democracia. Há alguns países mais avançados, como as nações nórdicas, porém ainda falta muito. Faz sucesso na internet uma declaração do chefe de polícia de Estocolmo, recomendando aos suecos que evitem se aproximar de determinados bairros, que se transformaram em guetos de imigrantes, porque lá a polícia não entra. O mesmo fenômeno ocorre em bairros periféricos de Paris e em outras importantes metrópoles.

No caso do Brasil, o país precisa ser repensado com transparência total. O primeiro passo deveria ser a realização de auditorias sobre o descontrole da dívida e sobre o déficit da Previdência, duas caixas pretas até agora impenetráveis. A democracia exige também uma melhor distribuição de renda, sem a atual desigualdade salarial, em que o céu é o limite, diria o apresentador Jota Silvestre. O aprimoramento político-administrativo requer também serviços adequados de infraestrutura, transportes, saúde e educação, incluindo ensino profissionalizante.

Acreditar que a criminalidade será controlada sem que haja avanços político-administrativos é uma ilusão verdadeiramente patológica. Os comandos militares sabem disso e sempre foram contrários à intervenção.

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