Jorge G. Castañeda, professor da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade Nacional Autônoma do México, no seu excelente livro Utopia Desarmada – que trata das intrigas, dos dilemas e das promessas da esquerda latino-americana –, examina três grandes temas. O primeiro, embora de origem apenas mexicana, tem repercussão que alcança todo o continente: o levante indígena armado na região de Chiapas. O segundo é o das dificuldades da esquerda em diversas partes da América Latina. No terceiro tema, Castañeda examina a situação no Brasil.
Uma das teses de Utopia Desarmada é sobre a violência à flor da pele na América Latina – o caráter fragmentado das sociedades latino-americanas, na consequente fragilidade de seus sistemas políticos democráticos e na ameaça permanente do ressurgimento da violência, que se origina “das abismais” desigualdades latino-americanas: sociais, étnicas, regionais, de gênero e de geração.
Jorge Castañeda refere-se ao efeito que o levante de Chiapas teve na vida política e no debate ideológico do México. O autor alega que a viabilidade do reformismo sempre se baseou na existência de um “mal maior”: o espectro do comunismo de que fala Marx no Manifesto, as chamadas “classes perigosas” (segunda metade do século 19), o bolchevismo (1931), a revolução cubana (1959) na América. A queda do Muro de Berlim reduziu os efeitos danosos do “mal maior”.
O “mal maior” é a violência, com ou sem pano de fundo explicitamente político. Daí a importância de reformas sociais profundas, notadamente no Brasil. Esse é um dos importantes temas a serem debatidos na campanha eleitoral que se avizinha. Além desse – de vital importância –, a política econômica, com os seus capítulos: Presidência, inflação, nível de emprego, câmbio, política externa, Mercosul, etc...
A verdadeira reforma política precisa ser repensada. O que o atual Congresso Nacional fez até agora foi muito pouco, ou quase nada. A reforma tributária e, notadamente, a previdenciária também merecem ampla discussão e um projeto compatível com as reais necessidades do Brasil.
Outros pontos passam pela reflexão e tomada de posição dos eleitores e transcendem o estreito ambiente do dia a dia da política. Exemplo: a vaga nas Casas legislativas é do partido ou da coligação? Em caso de afastamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou ao reconhecer o direito do primeiro suplente do partido. As coligações são motivadas muito menos pela coincidência de princípios programáticos, que poderiam diferenciar um candidato de seus concorrentes, e muito mais pelo aumento do tempo no horário gratuito de televisão e pelo reforço dos cofres de campanha.
Outra importante questão é a suscitada pelo afastamento de quase meia centena de deputados que, logo após eleitos, trocaram a cadeira de parlamentar por cargos nos Executivos federal e estaduais. Trata-se de perguntar se é legítimo e ético um deputado ou senador virar as costas a seus eleitores e aceitar convites para exercer outras funções – convites, aliás, resultantes, em boa parte dos casos, de um processo de loteamento de cargos públicos, em que vale mais o peso financeiro e político do órgão cobiçado e menos a competência do escolhido.
A resposta só pode ser negativa, considerando que, em última instância, o mandato é um contrato estabelecido entre o eleito e seus eleitores, sacramentado nas urnas. Ou seja, a eleição é ganha pelo candidato que convence o eleitorado a conceder-lhe seus votos.
Numa análise técnica, o eleito compromete-se a exercer o mandato legislativo por um contrato e não teria o direito de rescindir unilateralmente esse compromisso, numa atitude que não pode, sob nenhum aspecto, ser considerada moral ou ética.
Usando os modernos conceitos de comunicação, não é difícil perceber que grande parte do eleitorado se ressente do desprezo por seu voto. Somando-se a outras atitudes questionáveis, a sensação de voto desperdiçado contribui para arranhar ainda mais a imagem dos políticos perante a sociedade, que acaba por colocar na mesma cesta os bons e os maus mandatários. E mais, esse conjunto de percepções negativas inevitavelmente deságua no aumento do descrédito da instituições republicanas.
Sem detalhar demasiadamente as razões que levam à crescente avaliação negativa da classe política, é perceptível que está vencendo o prazo para que os seus integrantes – legitimados pelo voto ou, quando não eleitos, por sua postura cidadã e republicana (há, sim, bons políticos, e não são poucos, embora tenham visibilidade muito menor do que os maus) – empreendam efetivamente a reforma política no País. Uma reforma que também atenda às aspirações dos milhões de brasileiros cansados da corrupção, dos desmandos, do estilo “só lembrar do eleitor durante a campanha”, das ambições escancaradas e desligadas dos interesses maiores da Nação.
Os brasileiros já dão sinais de que têm consciência de que chegou o momento de repensar o Brasil. Essa tendência se manifesta, até com certa impaciência, na reivindicação do respeito aos direitos do cidadão, nos movimentos em defesa da ética. Falta agora aos representantes do povo, com o faro político que devem ter ou desenvolver, alinhar-se às aspirações do eleitorado e contribuir efetivamente para a construção do Brasil do século 21.
Como afirmei em recente artigo, vamos eleger estadistas, os que pensam nas próximas gerações, deixando de lado os políticos, que apenas pensam na próxima eleição!
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