O exemplo é citado pelo filósofo polonês Zygmunt Bauman ao abordar a relação entre verdade, ficção e incerteza no mundo contemporâneo (O mal-estar da pós-modernidade, Zahar). A tolerância em relação às diferenças no mundo pré-moderno era resultado de uma visão conservadora do tipo “tudo já está em seu lugar”. O rei Fernando da Espanha foi precursor de uma estratégia “que seria aplicada, com maior ou menor zelo e com maior ou menor êxito, ao longo da história moderna e em todas as partes do globo”. A destruição da diferença era o pressuposto da nova ordem. Mas a guerra contra a diferença e a pluralidade foi perdida em todo lugar. “A história moderna resultou, e a prática moderna continua resultando na multiplicação de divisões e diferenças.”
O aspecto novo das diferenças na pós-modernidade seria “a fraca, lenta e ineficiente institucionalização das diferenças e a resultante intangibilidade, maleabilidade e o curto período de vida”. O “desencaixe” existencial e as dificuldades para definir “projetos de vida” e construir a própria identidade, típicos das gerações mais jovens, seriam consequência não apenas da desestruturação das classes da antiga sociedade industrial, mas também da ausência de pontos de referência duradouros, como as ideologias do século passado. O “mundo lá fora” é cada vez mais virtual e parecido com um jogo, no qual as regras mudam de uma hora para outra. Qual o sentido de uma identidade vitalícia se as pessoas estão sendo obrigadas a se reinventar?
Não deixa de ser um paradoxo o cenário eleitoral que se apresenta. Nas redes sociais, um candidato de ficção à esquerda, que se tornou inelegível, acredita que pode voltar ao poder se reeditar velhas fórmulas políticas, nas quais as diferenças são sufocadas pela intolerância ideológica; de outro, um candidato real, porta-voz de práticas embrutecidas, que também quer sufocar as diferenças, inclusive as de costumes e de comportamento. No processo eleitoral real, porém, prevalece a força da ordem institucional. As regras do jogo favorecem os grandes partidos, a imunidade parlamentar e a sobrevida de uma geração política que pretende empurrar a fila para trás. Entretanto, a fragmentação e as diferenças predominam, tanto nas redes sociais, quanto no sistema político, o que aumenta as incertezas.
A lógica natural das coisas será a transferência gradativa das disputas políticas e ideológicas das redes sociais para o processo eleitoral, ou seja, toda a diversidade e a fragmentação existentes na sociedade buscarão representação nos partidos e em suas candidaturas. Nesse sentido, pode haver uma ultrapassagem da radicalização direita versus esquerda, típica de um processo de eliminação das diferenças, e a construção de um novo consenso, no qual a moderação, o pluralismo e a tolerância prevaleçam. Essa é a equação que está posta na disputa eleitoral para a Presidência da República, tendo por pano de fundo uma tremenda crise ética na política, que ameaça tragar as principais lideranças, seja nos tribunais, seja no silêncio das urnas.
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