quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Não tem cabimento

Claro que será melhor se a emenda do teto de gastos for aprovada em votação final antes do fim do ano. Mas está claro também que a recuperação da economia brasileira, no curto prazo — ano que vem, por exemplo — não depende disso. O teto de gastos é crucial para o longo processo de ajuste das contas públicas, e sua aprovação terá efeito positivo nas expectativas. Não fará grande diferença, entretanto, se for aprovada agora ou no início de 2017.

Portanto, não faz sentido o argumento de Renan e sua turma de que ele não pode ser afastado da presidência do Senado para não prejudicar a agenda econômica. E — quer saber? — seria ainda pior se a agenda de interesse nacional dependesse do comando de um réu, acusado de desvio de dinheiro público.

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Tem coisas que ou têm ou não têm cabimento. E não tem cabimento achar que o ordenamento das contas públicas, o restabelecimento da austeridade, depende de um político acusado de malversação do dinheiro do contribuinte.

O teto dos gastos e, especialmente, sua medida complementar, a reforma da Previdência, dependem de amplo entendimento nacional e sólida base política. Isso é necessário em dois momentos. Primeiro, na aprovação e, segundo, na implementação.

Reparem: sem a reforma da Previdência, não haverá como conter o crescimento das despesas públicas. Permitam uns poucos números: no ano passado, o INSS pagou R$ 436 bilhões em aposentadorias, pensões e outros benefícios; neste ano, vai passar de R$ 500 bilhões. A arrecadação do INSS no ano passado foi de R$ 350 bilhões. Neste ano, nem chegará a R$ 360 bi. Não é preciso nenhum especialista para se verificar que o déficit é explosivo.

Ora, se a emenda do teto de gastos está quase aprovada, a reforma da Previdência, na melhor das hipóteses, somente será votada em caráter final lá por dezembro de 2017. Ou seja, o ajuste não é coisa simples, depende de árduo trabalho político do governo Temer.

E será difícil obter e manter apoio político para isso enquanto o presidente Temer estiver acompanhado de políticos desmoralizados.

Uma história paralela: o senador Garibaldi Alves, aliado, recebe uma aposentadoria de R$ 20.250, benefício que adquiriu com 15 anos de trabalho como deputado estadual do Rio Grande do Norte. O senador considera muito justa essa aposentadoria, assim como acha normal acumulá-la com o salário de senador, de R$ 33 mil. E assim estoura o teto salarial do serviço público.

Ora, como esse senador pode votar uma reforma que vai pedir idade mínima de 65 anos e 49 anos de contribuição para um aposentadoria que seria hoje de R$ 5.189,92?

Com essa situação toda, ficar dependendo de Renan....

FIM DA RECESSÃO

A recuperação mais imediata da economia depende de dois fatores: um, a queda dos juros em ritmo mais intenso; e, dois, uma administração da política econômica mais eficaz.

O Banco Central quase certamente vai acelerar a queda dos juros já em janeiro. O presidente Ilan Goldfajn praticamente garantiu isso, sempre, é claro, com a ressalva de que se as circunstâncias mudarem....

Já uma gestão mais eficaz da política econômica no dia a dia vai depender de uma reforma no gabinete de Temer com a entrada de gente mais habilitada e menos suspeita.

ROUBO DO BEM

Um amigo de minha família materna, no interior de São Paulo, contava que participara, como político do velho PSD, de uma audiência com o então governador Ademar de Barros.

Um prefeito (vou omitir os nomes) reclamava de uma verba para um viaduto que fora prometido na campanha. O secretário da Fazenda estava segurando o dinheiro.

O governador manda ligar para o secretário e vai logo ordenando a liberação. Mas interrompe a ligação e pergunta ao prefeito de quanto era a verba necessária.

O prefeito cita algo que seria hoje uns R$ 10 milhões.

O governador: “Nesses 10 milhões já está a sua parte?”

O prefeito, inibido: “O que é isso, governador?”

Ademar, ao telefone, com o secretário:

“Coloca logo 10 milhões e 150 mil. Se não, o prefeito vai tirar o dele dos 10 e vai estragar o viaduto”.

Pois é, o governador organizava a propina para garantir que a obra fosse bem feita. Acreditava-se, então, que agia em nome do interesse do público que ia circular pelo tal viaduto.

Em tempos modernos, a propina foi institucionalizada. E pior, surgiu uma nova versão do “rouba mas faz”. Trata-se da tese segundo a qual o país só avança se forem atendidos os interesses, digamos, especiais, dos políticos. Algo como, “bandidos podem ser, mas tocam o país”.

Não tem cabimento.

Carlos Alberto Sardenberg 

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