sexta-feira, 25 de setembro de 2015
Crônicas macunaímicas
Severos cientistas sociais de óculos de lentes grossas poderiam dizer, em mesas redondas da TV, que estamos vivendo um estado de “anomia” - um país sem rumo, sem bússola, sem projeto.
Alguém que tivesse a alma mais leve de um artista, por exemplo, poderia citar o Manifesto Surrealista de André Breton, no trecho em que ele defende que qualquer controle exercido pela razão seja suspenso, de forma a dar vida à nova arte “alheia a qualquer preocupação estética ou moral”.
Como estamos na terra de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, seria mais apropriado mesmo dizer que isso aqui está “uma bagunça”. É mais fácil de digerir, mais fácil para fazer-se entender, mais adequado ao linguajar popular.
Já não sabemos mais se o governo existe para cumprir a tarefa básica de governar - ou seja, de dirigir os chamados destinos da Nação, através de decisões políticas e econômicas que imprimam um rumo à navegação comum - ou se existe apenas com a finalidade de evitar que deixe de existir de um momento para o outro.
Viver para simplesmente não parar de respirar não é um objetivo muito engrandecedor para nenhum governo, convenhamos. Sobreviver até o fim do mandato deixou de ser um meio para executar um programa e passou a ser um programa de governo em si mesmo.
Alguém que levanta e lê jornal (partindo do pressuposto de que já não soubesse tudo desde a noite anterior, pela TV ou pela internet) tem mais motivos para debater-se contra a escuridão do que encontrar, digamos, um sendeiro luminoso que ajude a entender o que está acontecendo.
O sujeito vai dormir pensando na hecatombe que será o Congresso derrubando todos os vetos presidenciais sob o comando da brigada ligeira do PMDB, inviabilizando as contas do pais pelos próximos séculos, e acorda com a presidente tramando a entrega de quatro ou cinco ministérios àquele mesmo partido que um dia antes não queria saber de ministério nenhum mas que garantiu a manutenção da pilha de vetos.
A Eduardo Cunha, o ferrabrás da pautas- bomba, que ameaça demolir o castelo das contas públicas deixando proliferar sobre a mesa a cornucópia de benesses de todos os deputados clientelistas do Oiapoque ao Chuí, coube a honra de uma conversa ao pé de ouvido. Protagonista: o presidente excelso, honorário e eterno, Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula, informam os jornais virtuais e materiais, cochichou a Cunha um pedido para empurrar com a barriga qualquer pedido de impeachment contra Dilma, até que…bem, até qualquer dia que não esteja muito perto, para não atrapalhar, afinal, as articulações do ajuste fiscal e da tal reforma ministerial.
Lula é a favor mas é contra o ajuste fiscal, e enquanto tenta equilibrar essa bola no nariz, como uma foca, articula um novo ministério para sua criatura. O objetivo é transparente: ir ficando, enquanto der. Quanto mais perto de 2018 chegarmos, melhor. E com quanto menos escoriações, melhor também.
Ou seja: Cunha ë inimigo, mas pode ser parceiro também. Tanto que um compadre dele, um certo deputado da Paraíba, Manoel Junior, que já aconselhou Dilma a renunciar, aparece como favorito para o cargo de ministro da Saúde, aquela pasta que se não ajuda em nada a saúde física do brasileiro, oferece luminosas atrações aos vampiros que preferem o sangue à luz.
Bem, onde estávamos mesmo? Ah, ainda não temos ajuste, ainda não temos reforma ministerial, ainda não sabemos se o PMDB assumiu ou não o governo, um terço do governo, metade dele ou o governo inteiro, o dólar sai em louca disparada, e a presidente….
…a presidente? Bem, ela foi a Nova York pedir uma reforma na ONU.
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