terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Nunca foi tão bom ser um bilionário

As duas cenas ocorreram no mesmo dia. Em Davos, nos Alpes suíços, a organização não governamental Oxfam divulgava aos participantes do Fórum Econômico Mundial seu relatório mostrando que a riqueza dos bilionários cresceu US$ 2 trilhões em 2024 e que o mundo está perdendo a guerra contra a desigualdade. Em Washington, Donald Trump tomava posse como 47.º presidente dos Estados Unidos tendo como convidados em lugar de honra alguns dos homens mais ricos do mundo.

Pode até ser que alguns desses multibilionários apoiem Trump por verem nele capacidade de tornar o mundo melhor para todos. O que interessa a todos eles, porém, é a possibilidade de o apoio ao presidente da maior potência econômica e militar do planeta facilitar seus negócios e torná-los ainda mais ricos. Naquela cena, se alguém estivesse preocupado com desigualdades não estava entre as figuras mais notadas. A depender de algumas das personalidades que terão grande destaque ao longo do governo Trump, por isso, o quadro apresentado pela Oxfam tenderá a piorar para quem não é bilionário.


“Nunca foi um tempo tão bom para ser um bilionário. Suas fortunas dispararam para níveis jamais vistos, enquanto as pessoas que vivem na pobreza em todo o mundo continuam a enfrentar várias crises”, afirma o relatório Às custas de quem: a origem da riqueza e a construção da injustiça no colonialismo, que a Oxfam divulgou em Davos. Fundada em 1942 por ativistas ingleses de Oxford para ajudar a população da Grécia ocupada pelos nazistas, a Oxfam é uma organização internacional que tem como objetivo combater a pobreza, a desigualdade e a injustiça. Atua no Brasil desde 1965.

A concentração da riqueza não chega a surpreender, muito menos no Brasil. Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e estudos baseados nas declarações anuais apresentadas à Receita Federal, mesmo com a subnotificação do rendimento de parte dos mais ricos, vêm mostrando a imensa disparidade de renda entre os brasileiros.

O que surpreende, no mais recente relatório da Oxfam, é a velocidade com que aumenta a riqueza dos muito ricos. Eles ficam cada vez mais ricos e cada vez mais depressa. Sua riqueza aumentou três vezes mais rápido em 2024 do que em 2023. Por isso, agora se espera que haja cinco trilionários em uma década. O primeiro, lembra a Oxfam, foi identificado em 2023. Já o número dos que vivem na pobreza praticamente continua o mesmo desde 1990, por causa das crises econômicas, climáticas e de conflito. Se os Estados Unidos continuarem elegendo um presidente bilionário, apoiado fartamente por outros bilionários, o lugar de destaque na festa de posse talvez tenha de ser aumentado.

Outra conclusão do estudo da Oxfam é a de que a maior parte da riqueza dos bilionários não é conquistada em condições normais de mercado, que em geral premia os mais competentes. Essa riqueza é tomada, pois 60% vem de herança, favoritismo e corrupção ou poder de monopólio. “Nosso mundo extremamente desigual tem uma longa história de dominação colonial que beneficiou amplamente as pessoas mais ricas”, acrescenta.

Desde 1990, de acordo com o Banco Mundial, quase 3,6 bilhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, o que representa 44% da humanidade. Enquanto isso, em uma simetria perversa, o 1% mais rico possui uma proporção quase idêntica, pois detém 45% de toda a riqueza.

Políticas sociais em áreas como educação, saúde, proteção social, direitos trabalhistas e tributação progressiva vêm sendo reduzidas na maioria dos países, o que leva a Oxfam a prever cenários piores no futuro: “Sem ações políticas urgentes para reverter essa tendência preocupante, é quase certo que a desigualdade econômica continuará a aumentar em 90% dos países”.

No Brasil, graças à retomada de programas de transferência de renda desativados ou destroçados no período 2019-2022, a pobreza foi reduzida em 2023, depois de muitos anos de aumento. O Programa Bolsa Família teve papel decisivo nessa mudança. A recuperação do mercado de trabalho também contribuiu para a redução da pobreza no País.

Os indicadores sociais continuam, no entanto, mostrando uma sociedade muito desigual e uma lenta redução das taxas de pobreza, quando não sua estabilidade. Mudar essa tendência implicaria políticas de distribuição de renda mais agudas, o que exige grande concordância política, difícil de ser alcançada.

“Reduzir a desigualdade, como questão abstrata, é algo que boa parte da população é a favor”, lembrou o doutor em Sociologia e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Pedro Ferreira de Souza, em entrevista recente ao jornal Valor Econômico. “Mas, na hora em que começa a mexer em questões específicas, as pessoas começam a gritar porque de fato é preciso impor perdas a determinados grupos. E grupos com muitos recursos. Reformas nesse sentido teriam efeito imediato sobre desigualdade.”

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