Pode até ser que alguns desses multibilionários apoiem Trump por verem nele capacidade de tornar o mundo melhor para todos. O que interessa a todos eles, porém, é a possibilidade de o apoio ao presidente da maior potência econômica e militar do planeta facilitar seus negócios e torná-los ainda mais ricos. Naquela cena, se alguém estivesse preocupado com desigualdades não estava entre as figuras mais notadas. A depender de algumas das personalidades que terão grande destaque ao longo do governo Trump, por isso, o quadro apresentado pela Oxfam tenderá a piorar para quem não é bilionário.
“Nunca foi um tempo tão bom para ser um bilionário. Suas fortunas dispararam para níveis jamais vistos, enquanto as pessoas que vivem na pobreza em todo o mundo continuam a enfrentar várias crises”, afirma o relatório Às custas de quem: a origem da riqueza e a construção da injustiça no colonialismo, que a Oxfam divulgou em Davos. Fundada em 1942 por ativistas ingleses de Oxford para ajudar a população da Grécia ocupada pelos nazistas, a Oxfam é uma organização internacional que tem como objetivo combater a pobreza, a desigualdade e a injustiça. Atua no Brasil desde 1965.
A concentração da riqueza não chega a surpreender, muito menos no Brasil. Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e estudos baseados nas declarações anuais apresentadas à Receita Federal, mesmo com a subnotificação do rendimento de parte dos mais ricos, vêm mostrando a imensa disparidade de renda entre os brasileiros.
O que surpreende, no mais recente relatório da Oxfam, é a velocidade com que aumenta a riqueza dos muito ricos. Eles ficam cada vez mais ricos e cada vez mais depressa. Sua riqueza aumentou três vezes mais rápido em 2024 do que em 2023. Por isso, agora se espera que haja cinco trilionários em uma década. O primeiro, lembra a Oxfam, foi identificado em 2023. Já o número dos que vivem na pobreza praticamente continua o mesmo desde 1990, por causa das crises econômicas, climáticas e de conflito. Se os Estados Unidos continuarem elegendo um presidente bilionário, apoiado fartamente por outros bilionários, o lugar de destaque na festa de posse talvez tenha de ser aumentado.
Outra conclusão do estudo da Oxfam é a de que a maior parte da riqueza dos bilionários não é conquistada em condições normais de mercado, que em geral premia os mais competentes. Essa riqueza é tomada, pois 60% vem de herança, favoritismo e corrupção ou poder de monopólio. “Nosso mundo extremamente desigual tem uma longa história de dominação colonial que beneficiou amplamente as pessoas mais ricas”, acrescenta.
Desde 1990, de acordo com o Banco Mundial, quase 3,6 bilhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, o que representa 44% da humanidade. Enquanto isso, em uma simetria perversa, o 1% mais rico possui uma proporção quase idêntica, pois detém 45% de toda a riqueza.
Políticas sociais em áreas como educação, saúde, proteção social, direitos trabalhistas e tributação progressiva vêm sendo reduzidas na maioria dos países, o que leva a Oxfam a prever cenários piores no futuro: “Sem ações políticas urgentes para reverter essa tendência preocupante, é quase certo que a desigualdade econômica continuará a aumentar em 90% dos países”.
No Brasil, graças à retomada de programas de transferência de renda desativados ou destroçados no período 2019-2022, a pobreza foi reduzida em 2023, depois de muitos anos de aumento. O Programa Bolsa Família teve papel decisivo nessa mudança. A recuperação do mercado de trabalho também contribuiu para a redução da pobreza no País.
Os indicadores sociais continuam, no entanto, mostrando uma sociedade muito desigual e uma lenta redução das taxas de pobreza, quando não sua estabilidade. Mudar essa tendência implicaria políticas de distribuição de renda mais agudas, o que exige grande concordância política, difícil de ser alcançada.
“Reduzir a desigualdade, como questão abstrata, é algo que boa parte da população é a favor”, lembrou o doutor em Sociologia e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Pedro Ferreira de Souza, em entrevista recente ao jornal Valor Econômico. “Mas, na hora em que começa a mexer em questões específicas, as pessoas começam a gritar porque de fato é preciso impor perdas a determinados grupos. E grupos com muitos recursos. Reformas nesse sentido teriam efeito imediato sobre desigualdade.”
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