sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Assim, ninguém ganha esta guerra

O Médio Oriente está a ferro e fogo. Gaza arrasada e o Líbano em convulsão. Israel, ébrio de vitórias táticas e o Irã condicionado por um dilema estratégico. Os Estados Unidos apelam à paz e Netanyahu faz a guerra. Sob a vertigem dos acontecimentos e a ameaça de um conflito em larga escala, é difícil ver claro. Mas há duas perguntas fundamentais: como é que tudo isto começou? E como é que isto vai acabar?

Começou há mais de um século. É um conflito que atravessou várias fases e diferentes configurações. Entre as duas guerras, ainda sob o mandato britânico da Sociedade das Nações, assumiu a forma de uma guerra civil. Nos anos 30, os palestinos revoltaram-se contra a instalação de judeus em Israel e contra os britânicos que a facilitaram.


Depois da fundação do Estado de Israel, entre 1948 e 1973, o conflito assume a forma de um conflito clássico interestatal. Os palestinos desaparecem da equação e as grandes resoluções do Conselho de Segurança da ONU nem sequer os mencionam. O conflito é entre os exércitos regulares de Israel e dos Estados árabes. É o tempo da chamada “guerra israelo-árabe”. E das grandes vitórias israelitas: 1948, 1956 e, sobretudo, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e do Yom Kippur, em 1973. A partir de então, o conflito muda uma vez mais de configuração e aproxima-se de uma guerra assimétrica entre as forças palestinas e o Estado de Israel. Este processo é acompanhado por uma dupla dinâmica: de desarabização do conflito e apropriação palestina da sua causa. Desde os acordos de paz de Camp David, em 1978, que, primeiro o Egito, depois os outros Estados árabes, se vão afastando do conflito. E em 1993, nos acordos de Oslo, são os próprios palestinos, através da OLP, que assinam a paz com Israel.

Em casa, enquanto Israel vai consolidando o seu poderio militar, os palestinos vão alimentado a sua revolta nas sucessivas intifadas 1987-1993 e 2000-2005. Uma coisa é certa: a desarabização do conflito e reapropriação palestina é acompanhada pelo desenvolvimento da guerra assimétrica. E é a retirada dos Estados árabes que permite a entrada do Irã. Em 1988, depois da guerra Irão-Iraque, o Irã decide substituir os Estados árabes no apoio à causa palestiniana e construir uma rede de influência regional de actores não estatais, explorando, precisamente, a guerra assimétrica: o Hamas; o Hezbollah; a Jihad Islâmica e os houthis.

Agora, como é que tudo isto vai acabar? Não sabemos. Mas há uma ou outra coisa que nós sabemos. Sabemos que a estratégia iraniana é de estabelecer uma articulação militar entre as várias frentes de batalha contra Israel através destes atores não estatais seus “proxis”, com o objetivo de cercar, desgastar e enfraquecer Israel. E, bem entendido, garantir o seu programa nuclear. E sabemos que a prioridade de Israel é combater o Irã e os seus “proxis”. Mas também sabemos que o 7 de outubro desencadeou uma reação brutal de Israel. Israel tem direito à legítima defesa. Mas desbaratou essa legitimidade na brutalidade da reação. A justeza dos objetivos não justifica a desproporcionalidade dos meios.

Gaza está arrasada, o Líbano invadido, o Hamas destruído e o Hezbollah decapitado. Há destruição física, milhões de deslocados, crise humanitária e milhares de mortes de civis inocentes. A destruição militar de uma organização terrorista não pode justificar a punição coletiva de um povo. Depois do assassinato de Nasrallah, o Irã estava perante um dilema: como calibrar as represálias? Ou se limitava a uma política declaratória, condenava veementemente, mas não retaliava e perdia a sua credibilidade política e a sua capacidade de dissuasão; ou respondia e atacava diretamente Israel. Decidiu retaliar. Arrisca uma nova guerra e, quem sabe, o seu programa nuclear.

Ver-se-á a resposta de Israel. Embora não pareça, o seu dilema não é menor. Israel tem avançado de vitória táctica em vitória táctica, mas não há vitória estratégica sem uma solução política. E até agora não se vislumbra qual seja. Nem para Gaza, nem para o Sul do Líbano. É que as operações militares são necessárias para ganhar a guerra. Mas não são suficientes para garantir a paz. Não haverá paz, enquanto não houver uma solução política para os problemas que persistem: a relação com o Irã e um Estado para a Palestina. A escalada está em marcha e assim não acaba bem. Não haverá paz e sem paz ninguém ganha esta guerra.

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