Aprovado em meados do ano passado e com entrada em vigor a partir do final deste ano, o Regulamento de Desmatamento da UE (EUDR) exige que os comerciantes que colocam determinados produtos no mercado do bloco ou os exportam a partir dele provem que essas mercadorias não são originárias de terras que foram desmatadas após 2020.
O regulamento tem como alvo as commodities com a maior pegada de desmatamento, incluindo gado, cacau, café, óleo de palma – também conhecido como azeite de dendê –, borracha, soja e madeira, além de produtos como chocolate, pneus, móveis e papel derivados dessas commodities.
"É a primeira do gênero", afirma Anke Schulmeister-Oldenhove, diretora sênior de políticas florestais da ONG ambientalista WWF. "É uma mudança de paradigma que é benéfica para nós."
Nas últimas semanas, os Estados Unidos pediram um adiamento da lei, afirmando que ela prejudicaria os produtores que não pudessem cumpri-la.
Vários outros países, inclusive vários Estados-membros da própria UE, expressaram preocupações sobre a carga administrativa que a lei imporia aos agricultores.
Embora a UE ainda não tenha respondido publicamente aos pedidos de adiamento dos EUA, um porta-voz da Comissão Europeia disse que estava "trabalhando muito ativamente" para preparar a entrada em vigor da lei no próximo ano. Que impacto isso poderia ter sobre as florestas e o meio ambiente do mundo?
A lei tem como objetivo reduzir a contribuição da Europa para a "taxa alarmante" de desmatamento global e suas consequentes emissões e perda de biodiversidade.
Estima-se que o consumo na UE tenha sido responsável por cerca de 10% do desmatamento global nas últimas décadas.
As florestas são vitais para a vida no planeta, sustentando a existência de mais de 80% de todos os animais, plantas e insetos terrestres. Elas garantem que tenhamos ar suficiente para respirar, filtram nossa água potável e oferecem proteção contra deslizamentos de terra, inundações e tempestades.
E elas são cruciais quando se trata de mudanças climáticas. As florestas atuam como grandes sumidouros de carbono e, se forem destruídas, o CO2 é liberado novamente na atmosfera, alimentando o aumento da temperatura.
Apesar de a maioria dos países ter se comprometido a interromper a perda de florestas até 2030, o mundo não está nem perto dos níveis necessários para atingir esse objetivo.
Somente em 2023, uma cobertura de floresta tropical do tamanho de Singapura desapareceu por semana. O desmatamento é um dos fatores mais importantes da mudança climática, contribuindo com cerca de 20% das emissões de gases de efeito estufa.
A lei tem como objetivo a principal causa do desmatamento.
Estima-se que 90% da perda de florestas seja causada direta ou indiretamente pela expansão da agricultura, pois as árvores são cortadas para dar lugar a campos e plantações, para alimentar a crescente demanda global por alimentos e outros recursos. Entre 1990 e 2020, uma área agregada de floresta maior do que o tamanho da UE foi convertida para uso agrícola.
De acordo com a organização de pesquisa americana Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês), apenas sete commodities – madeira, borracha, gado, café, cacau, óleo de palma e soja – foram responsáveis por 57% de toda a perda de cobertura florestal associada à agricultura entre 2001 e 2015, substituindo uma área de floresta com mais de duas vezes o tamanho da Alemanha.
A UE é o segundo maior mercado para esses produtos, depois da China, e a demanda está crescendo.
Somente o consumo e a produção contínuos de gado, café, óleo de palma, soja e madeira estariam ligados ao desmatamento de 250 mil hectares de floresta por ano até 2030, de acordo com uma avaliação do impacto da lei na UE.
O óleo de palma e a soja respondem por mais de 60% dos produtos importados pela UE ligados ao desmatamento.
Embora muitos países tenham tentado tornar mais transparentes e rastreáveis cadeias de suprimento específicas – desde o cacau em Gana até a madeira na Indonésia – o escopo das commodities e o tamanho do mercado-alvo diferenciam a regulamentação da UE, explica Tina Schneider, diretora de governança e políticas florestais do WRI. "A EUDR será muito importante no combate ao desmatamento porque é a primeira regulamentação que abrange todo o mercado das commodities listadas."
A Comissão afirma que a regulamentação poderia reduzir as emissões de carbono causadas pelo consumo e pela produção dos produtos listados na UE em pelo menos 32 milhões de toneladas métricas por ano e salvar mais de 70 mil hectares de florestas.
"Com uma agricultura mais eficiente e ecologicamente correta nas terras existentes, não deve haver necessidade de novos desmatamentos", diz Schulmeister-Oldenhove, da WWF, acrescentando que, pelo regulamento, a UE apoiará os países parceiros na transição para um modelo de produção mais sustentável.
Ela acrescenta que, embora outros fatores de desmatamento não sejam abordados pela regulamentação – como a criação de aves e suínos, assim como a extração de metais e minerais –, os produtos que ela abrange são extensos o suficiente para minimizar a chance de ter em seu prato algo que "custe uma floresta".
Um estudo de 2022 sobre as 350 empresas mais influentes ligadas ao desmatamento constatou que 72% delas não tinham um compromisso para todas as commodities em sua cadeia de suprimentos sob esse risco.
"Ter medidas voluntárias que não estão realmente produzindo os resultados desejados não é bom se quisermos atingir a meta global de interromper e pôr um fim à perda de florestas", diz Schneider. "Para obter uma ampla aceitação em todo o mercado, é preciso regulamentação."
Vários países reclamaram que a regulamentação sobrecarrega os agricultores. No entanto, Schneider enfatiza que, embora os agricultores possam ser solicitados a fornecer informações – como dados de geolocalização de seus terrenos – a obrigação legal de coletar e relatar essas informações recai exclusivamente sobre as empresas mais abaixo na cadeia de suprimentos, que colocam os produtos no mercado da UE.
De acordo com um porta-voz da Comissão Europeia, a instituição está trabalhando arduamente para ajudar os pequenos agricultores a se prepararem para a lei, inclusive por meio de dois programas financiados com um total de 110 milhões de euros (R$ 662 milhões). Segundo ele, algumas associações de pequenos agricultores enfatizaram que a EUDR poderia lhes proporcionar novas oportunidades, incluindo uma posição mais forte na cadeia de valor por terem seus dados de geolocalização.
E embora as cadeias de suprimentos sejam notoriamente complexas de rastrear – muitas vezes abrangendo vários atores e cruzando fronteiras –, Schneider diz que agora há um número crescente de tecnologias e plataformas que facilitam esse trabalho.
"Agora estamos vendo esse enorme aumento na atenção e no esforço para que tudo isso seja preparado a tempo de apoiar diretamente a devida diligência para a EUDR para aqueles que colocam produtos no mercado da UE, ou de fornecer ao comprador informações sobre a origem de seus produtos", afirma Schneider.
Ela explica que embora os Estados Unidos e o Reino Unido também estejam caminhando rumo a regulamentações semelhantes, a EUDR deu um grande impulso à luta contra o desmatamento. "Ela comunica claramente ao resto do mundo e aos atores da Europa que a UE está priorizando a responsabilidade pelo seu consumo e pelos possíveis efeitos negativos desse consumo."
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