terça-feira, 14 de maio de 2024

A opinião em palácio

O Rei fartou-se de reinar sozinho e decidiu partilhar o poder com a Opinião Pública.

― Chamem a Opinião Pública ― ordenou aos serviçais.

Eles percorreram as praças da cidade e não a encontraram. Havia muito que a Opinião Pública deixara de frequentar lugares públicos. Recolhera-se ao Beco sem Saída, onde, furtivamente, abria só um olho, isso mesmo lá de vez em quando.


Descoberta, afinal, depois de muitas buscas, ela consentiu em comparecer ao Palácio Real, onde Sua Majestade, acariciando-lhe docemente o queixo, lhe disse:

― Preciso de ti.

A Opinião, muda como entrara, muda se conservou. Perdera o uso da palavra ou preferia não exercitá-lo. O Rei insistia, oferecendo-lhe sequilhos e perguntando o que ela pensava disso e daquilo, se acreditava em discos voadores, horóscopos, correcção monetária, essas coisas. E outras. A Opinião Pública abanava a cabeça: não tinha opinião.

― Vou te obrigar a ter opinião ― disse o Rei, zangado.

― Meus especialistas te dirão o que deves pensar e manifestar. Não posso mais reinar sem o teu concurso. Instruída devidamente sobre todas as matérias, e tendo assimilado o que é preciso achar sobre cada uma em particular e sobre a problemática geral, tu me serás indispensável.

E virando-se para os serviçais:

― Levem esta senhora para o Curso Intensivo de Conceitos Oficiais. E que ela só volte aqui depois de decorar bem as apostilas.
Carlos Drummond de Andrade, “Contos Plausíveis”

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