quinta-feira, 25 de abril de 2024

'Brasil é um dos países mais desiguais'

Um dos países mais desiguais, um lugar especialmente difícil para mulheres, negros e LGBTQ+, que pelo 14° ano seguido é o que mais mata pessoas trans no mundo. É assim que o mais recente relatório da Anistia Internacional, divulgado nesta quarta-feira, retrata o Brasil.

O documento, chamado "O estado dos direitos humanos no mundo", é divulgado anualmente e mostra um panorama sobre a garantia de direitos humanos em 155 países, passando por questões sociais, econômicas, culturais e políticas. De acordo com a análise da organização, a situação no Brasil é preocupante.

O texto cita que, até dezembro de 2023, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos havia registrado mais de 3,4 milhões de denúncias de violações de direitos humanos, como racismo, violência física e psicológica e assédio sexual. Esse número representa um aumento de 41% em comparação com 2022.


Apesar de um aumento do salário mínimo pouco acima da inflação e da expansão do programa Bolsa Família no ano passado, o 1% mais rico da população brasileira ainda detinha quase metade da riqueza do país, de acordo com dados de 2023 do Banco Mundial destacados pelo relatório.

A insegurança alimentar é alarmante: 21,1 milhões de pessoas passaram fome no Brasil em 2023, o equivalente a 10% da população. As famílias negras são prejudicadas de forma desproporcional: 22% dos domicílios chefiados por mulheres negras encontravam-se em estado de fome.

O déficit habitacional no Brasil também é preocupante. Há pelo menos 215 mil pessoas sem teto, de acordo com dados da Universidade Federal de Minas Gerais. No ano passado, 12% da população brasileira vivia em favelas.

O relatório chama atenção para o uso excessivo e desnecessário da força no Brasil, uma vez que o governo ignorou medidas para reduzir a violência policial, como o uso de câmaras corporais. Isso resultou em homicídios ilegais e outras graves violações de direitos, com prevalência da impunidade.

A Anistia Internacional, em parceria com o Conselho Nacional de Direitos Humanos e outras organizações, documentou 11 casos de violações graves dos direitos humanos perpetradas por agentes do Estado brasileiros, incluindo execuções extrajudiciais, entrada ilegal em residências, tortura e outros maus-tratos.

Dois policiais são conduzidos em cima de uma escavadeira em operação na favela da Maré, no Rio de JaneiroDois policiais são conduzidos em cima de uma escavadeira em operação na favela da Maré, no Rio de Janeiro

O relatório lembra do caso da morte do ativista Pedro Henrique Cruz, em 2018, em Tucano, na Bahia. Ele era conhecido por denunciar violências policiais e foi morto dentro de casa. Os três policiais indiciados pelo crime ainda não foram levados a julgamento, e sua mãe, Ana Maria, continua a sofrer ameaças e intimidações.

A Anistia mostra que nas escolas brasileiras a violência aumentou. Até o final de outubro, 13 ataques violentos com armas aconteceram no ambiente escolar, que deixaram nove pessoas mortas. Isso representa 30% de todos os incidentes do tipo ocorridos nos últimos 20 anos. Todos os agressores eram do sexo masculino, enquanto a maioria das vítimas era do sexo feminino.

Em todo o continente americano, a violência de gênero permaneceu arraigada, segundo o diagnóstico da Anistia Internacional. As autoridades não conseguiram enfrentar a impunidade para esses crimes nem proteger mulheres, meninas e outros grupos de pessoas em risco.

Houve avanços limitados na proteção aos direitos das pessoas LGBTQ+ em alguns países, mas os ataques a esses direitos se intensificaram em muitos outros. Essa comunidade foi alvo de hostilidades, discriminações, ameaças, ataques violentos e assassinatos, além de enfrentarem obstáculos ao reconhecimento legal em países como Argentina, Brasil, Canadá, Colômbia, Estados Unidos, Guatemala, Honduras, Paraguai, Peru e Porto Rico, destaca o relatório.

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans. Em 2023, houve 155 mortes, sendo 145 casos de assassinatos e dez suicídios após violências ou devido à invisibilidade trans.

Segundo a organização, as autoridades brasileiras também não tomaram medidas suficientes e eficazes para garantir o direito das pessoas a um meio ambiente saudável e mitigar os efeitos da crise climática.

Eventos climáticos extremos causaram mortes, destruição de propriedades e deslocamentos no Brasil. Os povos indígenas foram privados do pleno exercício de seus direitos, e a demarcação de terras aconteceu de forma lenta. A Anistia destaca a crise humanitária e sanitária do povo Yanomami, que ainda sofre com a presença do garimpo ilegal da região.

No geral, a Anistia relata um ressurgimento de sistemas autoritários e observa que cada vez menos pessoas vivem agora em uma sociedade democrática. No prefácio do relatório, a secretária-geral da Anistia, Agnes Callamard, observa que é como se o mundo estivesse "em espiral no tempo, retrocedendo em relação à promessa de 1948 de direitos humanos universais".

Secretária geral da Anistia Internacional, Agnes Callamard, apresenta o mais recente relatório "O estado dos direitos humanos no mundo" Secretária geral da Anistia Internacional, Agnes Callamard, apresenta o mais recente relatório "O estado dos direitos humanos no mundo"

Secretária geral da Anistia Internacional, Agnes Callamard, apresenta o mais recente relatório da organizaçãoFoto: Justin Tallis/AFP/Getty Images

Em 2023, diz ela, em muitos governos e sociedades, "as políticas autoritárias corroeram as liberdades de expressão e associação, atacaram a igualdade de gênero e corroeram os direitos sexuais e reprodutivos".

Ela observa que a tecnologia está facilitando a erosão generalizada de direitos, perpetuando políticas racistas, permitindo a disseminação de desinformação e restringindo a liberdade de expressão.

"No entanto, se deixarmos os tecnocriminosos com suas tecnologias ardilosas cavalgarem livremente no Velho Oeste digital, é provável que essas violações dos direitos humanos só aumentem em 2024, um importante ano eleitoral. Essa é a previsão de um futuro que já chegou", afirma Callamard.

No que diz respeito aos direitos das mulheres, a organização lamenta novas restrições no Afeganistão e no Irã, e o fato de o Irã também implementar software de reconhecimento facial contra mulheres que não usam hijab.

A Anistia relata retrocessos nos Estados Unidos e na Polônia em torno da regulamentação legal do aborto. Quinze estados norte-americanos proibiram completamente o aborto ou só o permitirão em casos muito excepcionais.


O relatório também chama atenção para o fato de que existem mais de 60 países em todo o mundo onde as pessoas LGBTQ+ são criminalizadas e os seus direitos restringidos.

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