segunda-feira, 25 de março de 2024

As forças da desordem

O triunfo do Chega nas recentes eleições em Portugal não foi uma surpresa. Porém, doeu a muitos como se fosse. A ideia romântica de que Portugal estaria, de alguma forma mágica, protegido do avanço da ultradireita, caiu por terra com escândalo e fragor.

Como em tantos outros países, incluindo o Brasil, a ascensão da ultradireita prejudicou em primeiro lugar os movimentos conservadores tradicionais. Antes de Donald Trump ser um nome conhecido no mundo, havia em Portugal uma direita urbana e civilizada, com personalidades amáveis e de grande cultura, respeitadas por toda a gente, como Diogo Freitas do Amaral, Francisco Lucas Pires ou Adriano Moreira.

A meia centena de deputados do Chega que agora acede ao belo edifício do Parlamento português, no tradicional bairro de São Bento, não tem proximidade alguma, nem ideológica, nem sociológica, nem civilizacional, com aquelas personalidades. São uma coleção disparatada de oportunistas, charlatães, desordeiros, e pequenos delinquentes, com poucos princípios e escassa cultura política (estou sendo generoso). Não chegam ao Parlamento com o objetivo de propor soluções. O seu único propósito, porque só isso sabem fazer, é tumultuar. Enfim, são agentes da desordem.


O fortalecimento global da ultradireita é, em larga medida, responsabilidade da esquerda. Enquanto a direita perdia a civilidade, a esquerda perdia os sonhos. Pior: perdia a capacidade de sonhar, dividindo-se em lutas tribais e debatendo aos gritos o sexo dos anjos. Ao mesmo tempo, os problemas do planeta agigantavam-se, com o aquecimento global aprofundando as desigualdades entre os países do norte e do sul, e as novas tecnologias sofisticando velhas mentiras.

Numa democracia saudável é importante que exista espaço para a direita e para a esquerda, para convergências, para divergências e até, diante da singularidade e magnitude de alguns dos problemas que enfrentamos hoje, para ideias e movimentos inteiramente originais. Agentes da desordem, porém, não servem à democracia. São uma doença dos sistemas democráticos e precisam ser identificados e tratados como tal.

Estas forças da desordem constituem, além de tudo o resto, paradoxos deprimentes. O Chega, por exemplo, pretende fechar a porta aos emigrantes. Entre os seus novos deputados, contudo, destaca-se um brasileiro, e um ex-imigrante português. O brasileiro, que é negro, produziu há poucos dias um bizarro discurso, defendendo uma Europa só para os brancos, e uma África só para os negros. O colega, tentando ultrapassá-lo em ingenuidade, confessou que durante muito tempo foi imigrante ilegal num outro país europeu.

Para travar esta onda seria necessário que os democratas, de esquerda e de direita, se juntassem na defesa da democracia. O novo primeiro-ministro português, o social-democrata Luís Montenegro, afirmou durante toda a campanha eleitoral não estar disponível para alianças com o Chega. A esquerda deveria apoiá-lo, incentivá-lo, acarinhá-lo, ao invés de esperar que Montenegro venha a ser defenestrado através de um golpe palaciano no seio do seu próprio partido, ou que o governo tropece e caia, de pura fraqueza, ao virar da esquina. Infelizmente, o mais certo é que caia. Então, as forças da desordem voltarão a ganhar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário