quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

O capitalismo consegue resolver a crise climática?

“Agora o negacionismo climático se tornou uma espécie de tatuagem tribal da extrema direita.” A frase é do jornalista Claudio Angelo, coordenador de política climática do Observatório do Clima, rede com mais de 90 organizações no Brasil com essa agenda. O OC, como a organização é carinhosamente chamada, foi uma das vozes mais críticas à política de desmonte do sistema nacional de meio ambiente promovida nos anos de governo Bolsonaro.

A metáfora de Angelo pode ser transposta a três inquietações contemporâneas. A primeira diz que os sacrifícios exigidos pela descarbonização da economia abrirão oportunidades e novos empregos, mas também deixarão gente sem renda e perspectiva, e, por isso mesmo, pesam nas urnas.

A pauta verde não costuma eleger políticos. A crise climática é complexa e difícil de comunicar. Enfrenta discursos negacionistas sem compromisso com a verdade e de gente que habita Terras planas. “Não é simples um político se levantar para essas questões. Esses temas, de fato, não dão muita visibilidade e muitos estão apanhando por conta de hastear bandeiras de diversidade, inclusão e meio ambiente”, concorda Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil.


Na sua visão, contudo, trata-se de um dos vários espinhos da transição e, como tal, vai transmutar. “Há uma questão geracional muito forte, e entendo que este é o último fôlego de um conservadorismo para muitos destes temas.”

Pereira constata que, ao que parece, o Acordo de Livre-Comércio UE-Mercosul “acabou de ser implodido, muito devido aos agricultores europeus. Estamos em uma fase forte de protecionismo dos países, pela crise e inflação”, reforça. A mudança é difícil de acontecer quando eleitores sentem que suas necessidades básicas estão sendo, em alguma medida, ameaçadas. “Vimos o adiamento de algumas legislações. É de fato um momento sensível.”

No início de fevereiro a União Europeia derrubou metas ambientais mais ambiciosas. A Comissão Europeia, braço executivo do bloco, recuou para atender a protestos de agricultores disseminados pelo continente no início do ano, com longos comboios de tratores circulando pelas capitais europeias.

Assim foi deixado de lado, ao menos provisoriamente, o plano para reduzir pela metade a utilização de agrotóxicos em 2030. “Tornou-se um símbolo da polarização”, reconheceu Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. “Nossos agricultores merecem ser ouvidos”, reforçou. “Muitos se sentem encurralados em um canto”. No mesmo dia também foi descartada a meta recomendada para cortar emissões agrícolas de gases-estufa. Ursula von der Leyen reconheceu que a agricultura europeia tem que transitar para um modelo mais sustentável de produção. Fez uma autocrítica: “Talvez não tenhamos defendido esse ponto de vista de forma convincente”.

A retirada desses dois pontos da pauta tinha endereço e data: a eleição do Parlamento Europeu, em junho. Pesquisas de opinião indicam que a extrema direita pode conquistar muitos assentos e se tornar uma força política importante em grandes economias do bloco. A eleição presidencial de novembro nos Estados Unidos tem o republicano Donald Trump, que retirou os EUA do Acordo de Paris, como nome forte. Em 2024, pelo menos quatro bilhões de pessoas em mais de 40 países irão eleger líderes - é o ano eleitoral mais importante do século, porque ocorre em um momento crucial para o mundo enfrentar a crise climática. “ Com eventos climáticos cada vez mais extremos e frequentes, não há como a população não perceber que, cada vez mais, os eventos afetam sua própria existência. Isso irá se reverter como uma demanda à classe política”, diz Pereira. É como se diz: a mudança virá, pelo amor ou pela dor.

A frase do início da coluna toca em uma segunda preocupação global, a que o multilateralismo anda a passos lentos enquanto a crise climática cresce exponencialmente. O mundo se compromete a distanciar dos combustíveis fósseis - a grande mensagem da COP28, a conferência do clima da ONU que aconteceu em Dubai, em dezembro -, depois de 31 anos de regime climático internacional. A promessa é feita sem prazos, arrancada nos malabarismos da linguagem diplomática, enquanto empresas de petróleo planejam abrir novas frentes de exploração.

O terceiro ponto é menos pragmático: o capitalismo consegue responder à crise do clima? A reunião dos ministros de finanças do G20 nesta semana, em São Paulo, procura encontrar soluções e direcionar fluxos financeiros para alvos menos danosos ao ambiente.

O mundo, contudo, segue mais desigual do que nunca e são os mais pobres quem mais sofrem com a crise climática. Em 2023, os investimentos mundiais em descarbonização somaram US$ 1,3 trilhão, mas só 6% desse valor foi destinado à América Latina, disse Mark Carney, enviado especial da ONU para Ambições Climáticas e Soluções durante a primeira edição do Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas, em São Paulo. O grande volume de recursos foi investido na China, nos EUA e na União Europeia. O dinheiro que promove a nova economia global é gasto em países ricos ou na maior (e muito atenta) potência emergente do mundo.

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