sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Biden, Netanyahu e Putin são senhores da guerra

O jornalista Henry Foy, correspondente do Financial Times em Bruxelas, instiga a reflexão sobre a nova conjuntura internacional a partir da guerra de Gaza, que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse, ontem, que será de longa duração. Ou seja, não deve se encerrar enquanto Israel não invadir a Faixa, eliminar o Hamas e restabelecer seu controle sobre toda a região, a exemplo do que já ocorre na Cisjordânia — apesar da existência de uma enfraquecida Autoridade Palestina.

Segundo Foy, o apoio incondicional do Ocidente a Israel, especialmente Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia, envenenou os esforços para isolar a Rússia e obter apoio dos países em desenvolvimento em favor da Ucrânia. A reação implacável dos israelenses ao ataque terrorista do Hamas, em 7 de setembro, desconstruiu a narrativa do Ocidente em relação às violações de direitos humanos cometidas pela Rússia em Donetsk e outras regiões ocupadas por suas tropas.

“Na enxurrada de visitas diplomáticas de emergência, videoconferências e chamadas, os funcionários ocidentais foram acusados de não defender os interesses de 2,3 milhões de palestinos na sua pressa de condenar o ataque do Hamas e apoiar Israel”, destacou o analista do Financial Times. Isso teria corroído esforços diplomáticos para que a Índia, o Brasil e a África do Sul endurecessem o discurso contra o líder russo Vladimir Putin, com base na necessidade de defender uma ordem global em que as regras do direito internacional fossem respeitadas.

Apesar da generalizada condenação ao ataque de surpresa do Hamas, principalmente à morte e sequestro de civis, a crise humanitária na Faixa de Gaza solidificou posições enraizadas no mundo em desenvolvimento quanto ao conflito israelense-palestino. A maioria desses países apoia a posição oficial da ONU, favorável à criação do Estado da Palestina independente de Israel. “Todo o trabalho que fizemos com o Sul Global [sobre a Ucrânia] foi perdido. Esqueça sobre regras, esqueça a ordem mundial. Eles nunca vão nos ouvir novamente”, lamentava um diplomata do G7 ao jornalista britânico. O Grupo dos Sete é formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, com a União Europeia de observadora.


A maioria dos países em desenvolvimento sempre apoiou a causa palestina pelo prisma da autodeterminação e vê com desconfiança o domínio global dos EUA, o aliado principal de Israel. Os países árabes, inclusive aqueles que têm boas relações com o Washington e Tel Aviv, acumulam ressentimentos. Não são apenas os decorrentes da antiga ordem colonial, nem fruto de intervenções mal-sucedidas no Iraque, na Síria e na Líbia. Nesse caso de Gaza, estão diretamente ligados ao tratamento dado pelas potências ocidentais ao povo palestino.

Ao contrário, Rússia e China cultivam laços históricos com os palestinos. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, na terça-feira, durante a reunião com o líder chinês XI Jinping, em Pequim, agarrou com as duas mãos a oportunidade de questionar o presidente dos EUA, Joe Biden, que adota dois pesos e duas medidas em relação à Ucrânia e à Faixa de Gaza. “O que dissemos sobre a Ucrânia deve se aplicar a Gaza. Caso contrário, perdemos toda a nossa credibilidade”, lamentou o diplomata do G7, segundo o jornalista do Financial Times.

Há pouco mais de um mês, na reunião do G20, em Nova Déli, Biden e outros líderes ocidentais conclamaram os países em desenvolvimento a condenar os ataques da Rússia a civis ucranianos, respeitar a Carta da ONU e o direito internacional. Desde o último domingo, porém, endossam incondicionalmente as ações de Israel na Faixa de Gaza, onde os civis estão sem água, eletricidade, gás de cozinha, comida e remédios.

A ordem global pós II Guerra Mundial não funciona para o mundo árabe, inclusive para a Jordânia e o Egito, que mantêm relações com Israel. Na União Europeia, o incomodo também começa a crescer, sobretudo depois de a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, viajar para Israel sem um mandato dos 27 estados-membros do bloco e não tratar da questão humanitária. Dublin, Madri e Luxemburgo queixaram-se de seu discurso em Tel Aviv.

Preocupada, a França começou a se movimentar em parceria com o Brasil, que protagoniza os esforços humanitários na presidência do Conselho de Segurança da ONU. Teme que a Rússia não esteja mais interessada em conter seus aliados na região, sobretudo o Irã. A crise de Gaza ofusca a guerra da Ucrânia e desloca recursos dos EUA para Israel, além de neutralizar a narrativa em relação às violações de direitos humanos pelo Exército russo.

Putin e Netanyahu já eram notórios senhores da guerra, mas Biden não tinha essa imagem, graças à retórica em defesa dos direitos humanos. Agora passou a ter.

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