O lance de magia negra circula há mais de um mês, com duas versões. A primeira é recente. A segunda é mais velha.
A versão recente tem três fases.
Nela, milícias digitais e mobilizações semelhantes às do ano passado criariam um clima de instabilidade a partir da Semana da Pátria.
Armado o fuzuê, vozes pretensamente pacificadoras defenderiam o adiamento das eleições, com a votação de uma emenda constitucional. Junto com essa emenda seriam prorrogados todos os mandatos, de congressistas, governadores e, é claro, do presidente da República.
A segunda versão, mais velha, tem o mesmo desfecho, mas começa no dia da eleição, com ou sem tumultos populares. Nela, o coração da manobra está em provocar um apagão no fornecimento de energia por algumas horas em duas ou três grandes cidades, atingindo-se um significativo número de eleitores.
Melada a eleição, aparece a mesma turma pacificadora, marcando uma nova data. Calcula-se que isso só seria possível depois de pelo menos dois meses. Tendo ocorrido uma catástrofe dessas proporções, a totalização eletrônica estaria ferida. Nesse caso, o hiato seria maior. Assim, chega-se ao mesmo desfecho da versão anterior: prorrogam-se os mandatos.
Por todos os motivos, essas piruetas não teriam a menor chance de avançar. Contudo, os antecedentes dos principais personagens da manobra recomendam cautela e prevenção.
Bolsonaro cultiva o Apocalipse. Em 2019, quando o Chile foi sacudido por desordens, ele profetizou: “O que aconteceu no Chile vai ser fichinha perto do que pode acontecer no Brasil. Todos nós pagaremos um preço que levará anos para ser pago, se é que o Brasil não possa ainda sair da normalidade democrática que vocês tanto defendem.”
Em março de 2020, durante os meses dramáticos da pandemia, ele foi claro: “O caos está aí na nossa cara”. Não estava. A coisa mais parecida com o caos ocorrida durante a pandemia foi a administração do Ministério da Saúde, com seus quatro titulares.
Um ano depois, Bolsonaro dizia que o Brasil se tornou “um barril de pólvora”: “Estamos na iminência de ter um problema sério.”
Veio o Sete de Setembro, caravanas de ônibus foram a Brasília e caminhoneiros furaram o bloqueio da Esplanada, anunciando que invadiriam o Supremo Tribunal Federal. Aconteceram manifestações ordeiras em diversas cidades.
Bolsonaro escalou: “A partir de hoje, uma nova história começa a ser escrita aqui no Brasil.” Em São Paulo, insultou ministros do Supremo.
Uma intervenção do ex-presidente Michel Temer jogou água na fervura. De lá para cá, o “barril de pólvora” ficou em paz, o caos não veio e não aconteceu um só “problema sério” além da suspeição lançada sobre as urnas eletrônicas pelo presidente e pelos generais palacianos.
Na quinta-feira, Bolsonaro informou que se reunirá com os embaixadores estrangeiros para expor seus argumentos contra as urnas que o elegeram. Isso nunca aconteceu nos duzentos anos de Brasil independente. Bolsonaro deu seu recado críptico: “Você sabe o que está em jogo, sabe como deve se preparar.”
Como ensinava o sábio Marco Maciel, no dia Sete de Setembro e nos seguintes pode acontecer muita coisa, “inclusive nada”.
O sonho de um caos deliberadamente fabricado circula agora com o enfeite do adiamento das eleições e com o presente da prorrogação dos mandatos. Um Congresso que corre o risco de grande renovação pode gostar dessa ideia. Estima-se que metade dos deputados não voltem a Brasília. Afinal, Bolsonaro dispõe da benevolência do doutor Arthur Lira.
Em seus períodos democráticos, o Brasil nunca teve prorrogação de mandato presidencial. Na última ditadura, Castello Branco teve seu mandato prorrogado por um ano e rebarbou uma segunda prorrogação. Emílio Médici, o mais popular dos generais, matou no nascedouro uma manobra prorrogacionista.
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