Bolsonaro herdou a demonização da máscara do ídolo Donald Trump, que usou o repúdio à proteção para forjar a imagem de forte e destemido na disputa contra o “velho e frágil” Joe Biden. Trumpistas eram machos, sadios, imbatíveis e, portanto, não precisavam se defender do vírus em um país que, à época, acumulava mortos aos milhares.
Os bolsonaristas também se enxergam assim, a começar pelo presidente “imbrochável, imorrível e incomível”. Como Trump, Bolsonaro desde o início alardeou a falácia de que o vírus não pega em machos. Contra a campanha de isolamento social, defendida em todo o planeta, reagiu dizendo que o Brasil tinha de deixar de ser “um país de maricas”. Avançou mais casas: virou garoto propaganda de hidroxicloroquina/cloroquina que até Trump abandonou, despachando para o Brasil uma generosa oferta de 2 milhões de comprimidos depois de a FDA (a Anvisa dos Estados Unidos) suspender o uso emergencial do medicamento para tratamento da Covid.
Mas nem Trump foi tão negacionista a ponto de desprezar as vacinas e apostar na imunidade de rebanho, como fez Bolsonaro. Mesmo com parte de seus eleitores absolutamente céticos quanto a imunizantes para qualquer doença, Trump comprou milhares de doses antecipadamente, ainda no período de testes, e financiou pesquisas.
Biden derrotou Trump e, com vacinas e máscaras, está derrotando o vírus. O país presidido pelo discípulo de Trump continua empilhando mortos como se disputasse uma fúnebre corrida para se tornar recordista. Atualmente, a média diária de mortes dos Estados Unidos – que tem 100 milhões de habitantes a mais do que o Brasil – gira em torno de 370, enquanto por aqui comemoramos quando os números ficam abaixo de 2 mil.
Contra a cruzada cruel de Bolsonaro e sem impeachment à vista – descartado sumariamente pelo presidente da Câmara, o aliado Arthur Lira (Progressistas-AL), que detém o poder constitucional de instauração do processo -, o país começa a reagir nas ruas e nos tribunais.
As manifestações em todas as capitais, no Distrito Federal e em dezenas de cidades médias e pequenas do país nos dias 29 de maio e 19 de junho foram demonstrações crescentes e poderosas contra o presidente, que tendem a ser ainda mais fortes em 24 de julho. E não adiantará taxá-las como atos exclusivos da esquerda, ou do PT de Lula. Nelas, a marca é o anti-bolsonarismo, repulsa explícita que arregimenta multidões.
Adicionalmente, partidos e organizações civis começaram a reagir para além das notas de solidariedade e repúdio, sempre bem-vindas, mas insuficientes para fazer frente às afrontas diárias do presidente, boa parte delas passível de ser punida pelos códigos civil e penal.
Além dos ex-ministros Eduardo Pazuello e Ricardo Salles, ambos enrolados em processos penais, e das investigações da CPI da Pandemia, cada vez mais próxima de comprovar crimes do presidente – incluindo corrupção -, há dezenas de representações pipocando nas regionais do Ministério Público e no STF.
Na sexta-feira, o PSOL apresentou uma notícia-crime ao STF pedindo a responsabilização de Bolsonaro pelos crimes de infração sanitária e afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) por ter submetido crianças a constrangimentos e riscos à saúde. Dois dias antes, a juíza Ana Lúcia Petri Betto, da 6ª Vara Cível Federal de São Paulo, condenou o governo Bolsonaro a pagar uma multa de R$ 5 milhões por danos morais cometidos contra as mulheres em declarações misóginas do presidente e de sua equipe. Impôs ainda a obrigação de a União investir R$ 10 milhões em campanhas pró-direitos das mulheres.
Somadas à CPI e às ruas, as ações na Justiça, ainda que sujeitas a recursos, expõem, sem filtro, o caráter ignóbil e desumano de Bolsonaro. Deveriam se multiplicar, sem dar um único dia de trégua a um presidente que não honra o cargo que ocupa e se coloca acima da lei.
“Uma máscara não é uma declaração política”, disse Biden em sua pregação didática para salvar os Estados Unidos da pandemia. Ele está certíssimo. Mas no Brasil de Bolsonaro só dá para confiar em mascarados. Melhor ainda se a máscara estampar #foraBolsonaro.
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