quarta-feira, 9 de junho de 2021

Caracas fica a 3.600 km

A Venezuela continua longe, mas ficou mais perto. Os desastres históricos acontecem aos poucos. Alguns grão-duques russos achavam que podiam viver com os bolcheviques. Afinal, aquela maluquice não haveria de durar. A plutocracia venezuelana levou algum tempo para perceber que o coronel Hugo Chávez e sua turma seriam capazes de tudo para ficar no poder.


As instituições democráticas brasileiras vêm sendo obrigadas a conviver com um novo leão a cada dia. O general Eduardo Pazuello disse que não participou de manifestação política porque Jair Bolsonaro não tem filiação partidária, e o comandante do Exército acreditou. Em seguida, o procurador-geral da República pediu o arquivamento do inquérito que investigava ações dos cidadãos protegidos por foro privilegiado que incitaram atos contra o regime. Demorou cinco meses, pediu novas diligências para outros envolvidos, sem ter pedido providência alguma enquanto ficou com o caso. Ao fazer isso, o doutor Augusto Aras bateu de frente com o ministro Alexandre de Moraes, um ex-secretário de Segurança cuja casa já foi esculachada pela milícia. Má ideia. O ministro respondeu pedindo ao procurador que explique melhor sua posição. Como se coisas desse tipo fossem pouco, o ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella foi indicado para a Embaixada do Brasil na África do Sul.

Caracas continua longe, a 3.600 quilômetros de Brasília. A sociedade brasileira tem uma complexidade e um dinamismo que faltavam à Venezuela. O andar de cima de Pindorama produz, enquanto o venezuelano vivia nas tetas das rendas do petróleo. Ademais, o caminho para Caracas exigirá uma sucessão de crises até a eleição do ano que vem. Bolsonaro tem sido pródigo na criação de encrencas e na distribuição de provocações, uma por semana. Mesmo assim, precisa de um objetivo. Afora a obsessão pela permanência, nada oferece. As reformas liberais de Paulo Guedes estão no estaleiro, sabendo-se que a instabilidade política debilita seu projeto.

Com a conta da pandemia aproximando-se das 500 mil mortes, o Brasil firma-se como um pária bagunçado e incapaz. Se algum caminho venezuelano existe, ele não pode começar pelo desfecho, a ruína de Nicolás Maduro.

Bolsonaro pode achar que Ricardo Salles é um excelente ministro. Falta combinar com um mercado internacional cada dia mais desconfortável com a presença de agrotrogloditas e piromaníacos na Amazônia. É improvável que o doutor resista até novembro, quando ocorrerá a reunião do meio ambiente de Glasgow, e ele parece sinalizar que pretende cair atirando. Isso ficou claro quando Salles jogou o ministro Luiz Eduardo Ramos e o Planalto na frigideira de suas conversas com madeireiros. A sorte faltou-lhe quando seu inquérito tramita no gabinete de Alexandre de Moraes.

Com suas crises e sem agenda, Bolsonaro colocou o Brasil numa crise desnecessária. Afinal, nem todo mundo pode seguir o caminho do virologista Paolo Zanotto. Em abril do ano passado, ele defendia a cloroquina e a formação de um gabinete paralelo para orientar o governo durante a pandemia. O doutor acaba de pedir uma licença de dois anos para pesquisar no Canadá, “sem prejuízo de vencimento”.

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