quarta-feira, 14 de outubro de 2020

O compadrismo e os outros erros

O Brasil está em emergência ambiental. Não são focos em alguns biomas, é o país em chamas. A seca é uma das causas, mas o principal fator são os erros do ministro do Meio Ambiente. Ricardo Salles é um desmatador de aluguel. O mandante é o presidente da República. O vice-presidente, Hamilton Mourão, não nos deixa esquecer o lado perverso dos militares que voltaram ao poder com Jair Bolsonaro e repete a defesa do mais notório torturador brasileiro. O episódio da indicação de Kassio Nunes exibiu novos flagrantes da inaceitável promiscuidade do poder em Brasília.

Quem se afasta um pouco dos acontecimentos consegue ver com mais acuidade o quanto a democracia brasileira está disfuncional. Os que têm posição de poder no Brasil afrontam os princípios que deveriam seguir pela posição que ocupam.


Ministro do Meio Ambiente tem que respeitar o motivo pelo qual o Ministério foi criado. Não foi para desproteger manguezais e restingas, não foi para ameaçar a biodiversidade. E é o que Salles faz de forma acintosa. E ainda ofende quem se mobiliza para corrigir os estragos que ele espalha pela natureza, como o produto químico que mandou jogar na Chapada dos Veadeiros. Salles segue uma agenda. A da destruição ambiental. Ele deliberadamente retirou a representatividade do Conama. Agora o conselho, passivo, referenda seus desatinos.

Salles não é um problema isolado, uma peça que, se sair, ficará tudo resolvido. Deve ser demitido porque é pessoalmente deletério, mas é bom sempre ter em mente que esse é o projeto. Ele é defendido pelos generais que estão no governo, pelo presidente que o nomeou e é acobertado pelo silêncio dos outros ministros.

A entrevista concedida pelo vice-presidente Hamilton Mourão a Tim Sebastian da Deutsche Welle não surpreende quem acompanhou suas declarações durante a campanha. Numa entrevista conduzida por mim na Globonews, em 2018, lembrei ao então candidato que Carlos Alberto Brilhante Ustra era comandante do Doi-Codi quando mais de 40 pessoas morreram sob tortura. Quis saber se mesmo assim ele o considerava herói. E ele respondeu: “Heróis matam”. O papel do jornalista em entrevistas como essa é o de permitir que se revele o caráter do candidato. Isso ficou claro naquela entrevista. Agora ele confirma. O presidente e o vice-presidente do Brasil definem como herói quem, acusado por várias vítimas, foi condenado pelo comportamento repugnante de submeter adversários políticos a sofrimento extremo, levando alguns à morte, quando eles estavam presos e sob a custódia do Estado. Mourão disse ao jornalista alemão que quando todas as pessoas envolvidas “desaparecerem” poderá ser feita a análise desse caso. E ainda afirmou que Ustra respeitava os direitos humanos “dos seus subordinados”.

Bolsonaro sempre fez apologia da tortura e dos atos mais violentos da ditadura, mas ele ficou apenas 11 anos no Exército, saiu como oficial de baixa patente e pela porta dos fundos. Mourão cumpriu toda a carreira no Exército e saiu com quatro estrelas. Ainda assim — e mesmo agora — defende um notório torturador e acha que isso só poderá ser analisado quando “desaparecerem” todos os que querem “colocar as coisas como eles viram”. Os torturados não apenas viram, sentiram as dores da tortura em prédios das Forças Armadas. Muitos nada podem contar porque foram mortos. Se o Exército não é capaz de reavaliar esses atos hediondos, quase 50 anos depois de cometidos, infelizmente, os está legitimando.

Há agora erros novos acontecendo diante de nós. A escolha de Kassio Nunes não foi apenas pelo currículo — que aliás já mostrou inconsistências — mas porque tomou tubaína com o presidente, segundo exposição de motivos apresentada pelo próprio Bolsonaro. O encontro na casa de Dias Toffoli mostrou diversos inconvenientes. Aquele abraço entre ele e Bolsonaro mostra que Toffoli não entendeu até hoje o principal sobre o cargo que ocupa. Bolsonaro é investigado pelo Supremo, Toffoli tomou decisão que beneficiou o filho do presidente, o mesmo filho que sugeriu o nome do desembargador. O Senado vai avaliar a indicação, por isso o presidente do Senado não poderia estar ali. O encontro mostrou que todos os envolvidos não sabem a diferença entre o bom relacionamento institucional e o compadrismo.

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