domingo, 7 de junho de 2020

Os desafios e a resistência

Os índios estão se afastando das aldeias e entrando mais profundamente na floresta para fazer o isolamento social. Foi o que o fotógrafo Sebastião Salgado contou. O desmatamento pode liberar outros vírus e bactérias que hoje vivem em equilíbrio no ecossistema da Amazônia, por isso, preservar a floresta é proteger a humanidade contra novas pandemias. Foi o que disse o cientista Paulo Artaxo, da USP. Temos o que celebrar na área ambiental: a resistência do ambientalismo, da comunidade científica, da sociedade brasileira. É o que pensa a ex-ministra Marina Silva.

Ontem, eu mediei um debate entre os três aqui no jornal, pelo dia do meio ambiente. Cada um de sua casa, como convém nos tempos atuais. De Paris, Sebastião Salgado está em contato direto com o solo da Amazônia. Ele disse que das comunidades indígenas saem as informações mais precisas do que ocorre na floresta. Perigos imensos rondam os povos indígenas.

— Na terra Yanomami há 22 mil garimpeiros, e eles podem levar a Covid-19, além da destruição ambiental. No Vale do Javari, onde vivem os isolados Korubo, há também os garimpeiros. É conhecido que os indígenas não têm as defesas imunológicas que nós temos. Na Amazônia há a maior riqueza cultural do planeta, mais de 300 tribos que falam quase 200 línguas, há 120 grupos que nunca foram contactados. Pode haver um genocídio — diz Salgado.

Paulo Artaxo disse que há paralelos entre as crises do clima, da perda de biodiversidade e a da Covid-19. Para todas elas a solução está na ciência:

— A extrema-direita não aceita a ciência, a não ser quando é do seu interesse. Essas três crises juntas podem ter efeitos devastadores. O desmatamento da Amazônia tem impacto climático, provoca perda de biodiversidade e cria desequilíbrio num ecossistema que evoluiu por milhões de anos onde há inúmeros patógenos, vírus e bactérias. Eles podem ser liberados, como aconteceu com o ebola na África.

Para enfrentar os três problemas juntos, Artaxo recomenda procurar o desmatamento zero e proteger as populações indígenas, que são os guardiões da floresta. As áreas mais preservadas da floresta são exatamente as terras indígenas.



Marina disse que a sociedade brasileira tem resistido aos constantes ataques ao meio ambiente nos últimos anos:

— Para não ficar apenas nas tristezas, diante do desmonte da governança ambiental por um ministro que conspira contra a sua própria pasta, é preciso lembrar que estava tudo pronto para aprovar a MP da grilagem e ela saiu de pauta, Salles tentou passar sua boiada e mudar a Lei da Mata Atlântica e teve que revogar seu ato. Por isso digo que é preciso celebrar, neste e em outros governos, os momentos em que a resistência venceu — disse a ex-ministra que, no seu tempo no Ministério do Meio Ambiente, criou um plano de combate ao desmatamento que foi mantido mesmo após a sua saída e reduziu em 83% a taxa anual de destruição da Amazônia.

Paulo Artaxo disse que sempre perguntam a ele, em seminários, quando o mundo voltará ao normal. Ele estranha a pergunta:

— Não é normal destruir 10 mil km2 de floresta amazônica por ano, não é normal emitir 48 gigatoneladas de CO2 por ano, não é normal ter sete milhões de carros em São Paulo criando transtornos e fazendo a população respirar o ar insalubre. O aumento da temperatura pode tornar o Nordeste inabitável em poucas décadas. Não existe lockdown para o clima. O normal seria buscar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Salgado diz que o desmonte que o governo Bolsonaro tem feito ameaça o estado brasileiro. A Funai, que já teve grandes antropólogos na direção, hoje é dirigida por um delegado de polícia. Há outros órgãos sob ataque:

— Temos que evitar a "venezuelização" do Brasil. Bolsonaro está empregando muitos militares, para dar a impressão de que o Exército está apoiando a extrema-direita, um grupo sectário, mas não está. O Exército é uma grande instituição que está na Amazônia protegendo nosso território e os povos indígenas.

Marina disse que atualmente grupos da sociedade civil estão se unindo, em movimentos como o Juntos, ou Somos 70%, para proteger a democracia. Ela acha que a pandemia mostrou que a nova economia é ainda mais necessária, e que a inclusão tem que ser também digital. Hoje, quem está excluído digitalmente não consegue estudar nem trabalhar.

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