sábado, 14 de março de 2020

O coronavírus e nosso pandemônio de emoções

Somos todos, de repente, protagonistas e coadjuvantes de um filme de ficção científica com um fim ainda não escrito, em aberto. O drama é universal, envolve milhares de pessoas. Os vilões principais são animais longínquos e chineses. Os vilões locais são, de um lado, a ignorância e a negligência. Do outro lado, o pânico e a histeria.

E nós no meio. Como agir com equilíbrio? Sem minimizar a pandemia, como fez irresponsavelmente o presidente Bolsonaro, ou agir no outro extremo, confinando a nós mesmos e isolando nossos familiares? São amedrontadoras as cenas onde a covid-19 já fez grandes estragos. São pavorosas algumas histórias, de italianos dormindo em casa com cadáveres. O novo coronavírus assusta pela rápida expansão e pelo altíssimo nível de contágio. Exigir serenidade da população é um pouco demais.
Como continuar a viver numa boa, diante do alarme da Organização Mundial da Saúde? É uma doença detectada em todos os continentes e, agora, já em pacientes que nunca viajaram para áreas mais infectadas. Foram contaminados localmente, de origem incerta. 

O manual básico de prevenção é conhecido: lavar as mãos compulsivamente, álcool gel a 70%, evitar beijinhos, adiar viagens, não se meter em aglomerações, espirrar e tossir no braço, usar lenços descartáveis. Mas todo o tempo tocamos em “superfícies”. Inevitável. Corrimões, maçanetas, braços de poltrona, assentos em transporte público, dinheiro, balcões. E não há lavatórios a cada passo. 


A solução para evitar o pandemônio de emoções é pensar na baixa letalidade até agora, respirar fundo e cobrar seriedade e prevenção das autoridades de saúde. Essa é a diferença da evolução da doença entre países que se preveniram, como Coreia do Sul, e os que deixaram rolar, como a Itália. Os sul-coreanos aplicaram mais de 200 mil testes, com resultado em 10 minutos, e doentes foram imediatamente confinados. O tal clichê “melhor prevenir do que remediar” nunca foi tão comprovado.

Sabemos que criança costuma passear pelo coronavírus como se fosse uma gripe ruim. É pior para as que têm asma e bronquite. Sou avó, tenho 65 anos, vim da França em fevereiro, tive câncer no ano passado. Sou suspeita? Sou mais vulnerável a contrair coronavírus? Sim e não para ambas as perguntas, dizem meus médicos. Grande resposta! “Você não tem sintomas, sua imunidade é boa e você nunca teve pneumonia, problemas cardíacos ou diabetes” – esses sim, males mais ligados ao coronavírus. 

Posso encontrar meus netos??? Só os avós entendem os três pontos de interrogação. Sim, pode, mas nada de muito beijinho e abraço porque crianças assintomáticas podem ter o vírus e te contaminar. Esse é um motivo para não se recomendar fechamento de escolas. Muitas crianças acabam cuidadas por avós. É arriscado. Conversei com um excelente pediatra, gostaria de citá-lo, mas até ele está cheio de dedos sobre o que posso ou não citar como suas aspas.

Durante três, quatro meses, considerado o pico da epidemia, nossa vida mudará. A partir de hoje, o aumento de infectados será exponencial no Brasil. O novo coronavírus expõe nosso medo irracional da morte, mesmo que acabe sendo menos letal menos do que a dengue. Foram 700 mortos de dengue em 2019. Para quem mora em favelas ou ambientes insalubres, oito pessoas num mesmo cômodo, o drama do coronavírus é muito mais sério. Como sempre.

Quem viu “Ensaio sobre a cegueira”, filme de Fernando Meirelles baseado no livro de José Saramago, entende o que se passa com uma população submetida a um vírus desconhecido que tira a visão de todos. O primeiro fica cego ao volante de um carro. O resultado coletivo é “uma cegueira branca”, moral e física, que condena os pacientes a se tornarem seres cada vez mais ignorantes e brutos, cada vez menos humanos. Esse vírus mete o maior medo no Brasil.

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