quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

'Cadeia de comando'

“Eu não contrario publicamente o presidente. Existe aí, evidentemente, uma cadeia de comando.” A frase, dita por Sérgio Moro já no primeiro bloco do programa Roda Viva, foi a tônica da entrevista do ministro da Justiça. É claro que num regime presidencialista os ministros seguem o presidente da República. Mas os desafios postos diante de Moro vão além da disciplina e da hierarquia. São políticos, éticos e institucionais.

Os políticos são óbvios, estão na mesa e tanto ele quanto o presidente os compreendem muito bem. Moro é o único a ombrear com Bolsonaro nas pesquisas hoje. O chefe não pode demiti-lo, sob pena de criar um adversário. E ele não pode sair do governo agora, sem antes traçar um caminho. O jogo de ver quem pisca primeiro continuará, e Moro parece ainda ter apetite para engolir alguns sapos.

Os conflitos éticos dizem respeito aos quase diários ataques às liberdades e às minorias por parte de Bolsonaro e de seus auxiliares.


Até quando será possível ao ex-juiz calar sobre assuntos como o atentado à produtora Porta dos Fundos e falar apenas em privado sobre absurdos como a performance nazista de Roberto Alvim? Ou silenciar quanto aos ataques à liberdade de imprensa? Não se trata, como diz ele, de ser um “comentarista-geral” da República. Mas de cumprir o papel de ministro da Justiça: o de guardião da democracia e da Constituição.

Por fim, os dilemas institucionais são os decorrentes do fato de que Moro convive no governo com acusados de irregularidades que, como juiz, não hesitaria em investigar. Isso afeta a imagem de “herói do Brasil”, hashtag que liderou o Twitter mundial durante o programa.

O ministro tem o maior cacife político do Brasil hoje. Ganha de Bolsonaro e eclipsou Lula. Resta saber o quanto desse patrimônio está disposto a queimar enquanto aguarda saber se vai para o STF ou se parte para uma candidatura. Pode parecer que há muito tempo até 2022, mas a corrosão que a exposição ao bolsonarismo é capaz de operar é incerta.

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