terça-feira, 24 de setembro de 2019

Dois Brasis na ONU

A ausência de representação oficial do Brasil na Cúpula do Clima, às vésperas da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), quando todos os países sofrem as consequências das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global, seria uma coisa inimaginável se não estivéssemos vivendo um momento surreal na política externa brasileira, principalmente no quesito sustentabilidade. Mas aconteceu, por decisão do presidente Jair Bolsonaro, na contramão do que pensam os cientistas e a maioria dos chefes de Estado dos países com que nos relacionamos. Até Donald Trump, que lidera a reação anti-ambientalista no mundo, foi de surpresa à cúpula para ouvir a primeira-ministra alemã Angela Merkel.

Enquanto o secretário-geral da ONU, António Guterres, aposta numa atitude positiva em relação aos problemas climáticos (“Estamos perdendo a corrida da emergência climática, mas ainda podemos vencê-la”), o governo brasileiro se refugia numa posição supostamente patriótica. Não leva em conta o futuro para as novas gerações, indiferente a atitudes que pautam a opinião pública mundial, como a da jovem ativista sueca Greta Thunberg, para quem seus sonhos e infância foram roubados com “palavras vazias”. Jovens do mundo inteiro hoje veem o Brasil como um grande vilão da questão ambiental.

Entretanto, as vozes de outra face do Brasil ecoam na Cúpula do Clima. Além dos chamados “povos da floresta”, com o cacique Raoni à frente, nossos cientistas também pedem socorro ao mundo. Segundo Carlos Nobre, um dos especialistas em florestas mais respeitados do mundo, não combater o desmatamento será um suicídio coletivo. Para o cientista, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade Federal de São Paulo, já há indícios de que o processo de savanização começou em mais da metade da Amazônia brasileira.

Na Cúpula do Clima, o presidente da França, Emmanuel Macron, citou o Brasil como um risco e lamentou a ausência de representantes brasileiros no encontro. Anunciou a liberação de cerca de US$ 500 milhões em ajuda financeira para proteção de florestas tropicais, inclusive a Amazônia. Há, na região, nove países, que cooperam e concorrem entre si, e buscam esses recursos; o Brasil, que seria o desaguadouro natural de parte considerável desse aporte financeiro, foi para o fim da fila. O discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU, nesse contexto, será uma espécie de Rubicão. A partir de seu posicionamento, o lugar do Brasil no concerto das nações será redefinido.

Bolsonaro já sabe que está numa faixa de risco, sua defesa da soberania nacional, velha retórica dos militares em relação à Amazônia brasileira, é uma narrativa que serve ao público interno, mas não é levada a sério pelos parceiros internacionais. Mais de 230 fundos de investimento cobram medidas do governo em defesa da Amazônia, contra o desmatamento e as queimadas. Esses fundos administram mais de R$ 65 trilhões. Os indicadores da economia já apontam uma queda brutal nos investimentos, em parte por causa das nossas incertezas políticas e do posicionamento do governo em relação à questão ambiental. Confirmam-se as advertências de que os erros de conceito na questão ambiental têm consequências danosas dramáticas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário