terça-feira, 9 de outubro de 2018

O Brasil troca as fraldas

O escritor português Eça de Queiroz dizia: “Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo.” A partir das manifestações de junho de 2013, os brasileiros descobriram que com um celular à mão era possível mobilizar outras milhões de pessoas e participar ativa e diretamente da política. A maioria dos partidos políticos, entretanto, continuou na mesmice, curtindo os conchavos, os cargos, os R$ 2,6 bilhões (2018) dos fundos partidário e eleitoral e os privilégios. Deu no que deu: a indignação das redes sociais foi para as urnas.

Já havia sinalizações claras do que estava para acontecer. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) constatou no segundo semestre do ano passado que os brasileiros não confiavam no presidente da República (83,2%), nos políticos eleitos (78,3%) e nos partidos (78,1%).

Curiosamente, para os entrevistados, as duas instituições mais confiáveis eram a Igreja (61,5%) e os militares (45,8%). A corrupção era a principal responsável pela angústia do brasileiro, independentemente de idade, nível de escolaridade, renda e região do país. A insatisfação era tamanha que 71,6% dos brasileiros afirmaram que, se fosse possível, sairiam do Brasil.


Na contramão dos anseios de moralização, os atuais deputados federais e senadores têm, somados, 1.274 inquéritos e processos judiciais. A bancada campeã é a de São Paulo, que responde a 200 processos judiciais; seguida por Minas Gerais, com 100; Santa Catarina, com 86; e o Rio de Janeiro, com 81, segundo a ONG Ranking dos Políticos. Os partidos políticos, em sua maioria, também não afastaram os seus integrantes atolados na Lava-Jato e ainda “rasgaram” as Dez Medidas de Combate à Corrupção propostas por 1,6 milhão de brasileiros. Ao virarem-se de costas para a sociedade, pagaram o preço…

Dos 32 senadores que tentaram a reeleição, só oito conseguiram. Entre os 24 que fracassaram está a cúpula do Senado, incluindo o presidente Eunício Oliveira (MDB-CE), o vice-presidente Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Romero Jucá (MDB-RR), que estava há 24 anos na Casa e foi líder dos governos Lula, Dilma e Temer. Além desses, ficaram de fora Edison Lobão (MDB-MA), Jorge Viana (PT-AC), Magno Malta (PR-ES) e Sarney Filho (PV-MA), entre outros. A família Sarney, aliás, sofreu uma dupla derrota, pois Roseana Sarney (MDB-MA) não teve sucesso na tentativa de eleger-se governadora. Vários desses já vão tarde…

Ainda em relação ao Senado, ao contrário do que as pesquisas indicavam, Dilma Rousseff (PT) ficou somente na quarta colocação em Minas Gerais, e o ex-senador Eduardo Suplicy obteve apenas o terceiro lugar em São Paulo.

Sob a ótica da Lava-Jato, 47 investigados não se elegeram. No entanto, apesar das delações e citações, cinco réus, 24 investigados e seis denunciados foram eleitos. Na relação estão Jader Barbalho (MDB), o mais votado para o Senado no Pará, Renan Calheiros (MDB), o segundo colocado em Alagoas, e Ciro Nogueira (PP), o primeiro colocado para o Senado no Piauí, embora tenha sido alvo de mandados de busca e apreensão na reta final da campanha. A faxina poderia ter sido maior…

Dentre os senadores investigados, dois conseguiram se eleger, ao concorrerem ao cargo de deputado federal: Gleisi Hoffmann (PT-PR), que foi absolvida pelo STF, e Aécio Neves (PSDB-MG), réu na mesma Corte por corrupção passiva e obstrução da Justiça. Entre os 47 alvos da Lava-Jato que foram derrotados também estão, entre outros, o ex-governador paranaense Beto Richa (PSDB), que chegou a ser preso durante a campanha, Marconi Perillo (PSDB-GO), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Cândido Vaccarezza, que era do PT e passou para o Avante.

Alguns familiares de políticos famosos não estarão em Brasília em 2019. Os filhos de Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Jorge Picciani, Roberto Jefferson e Marcelo Crivella não obtiveram vagas na Câmara dos Deputados na próxima legislatura.

Voltando a Eça de Queiroz, com certeza ainda existem na República muitas fraldas a serem trocadas. As mudanças que a sociedade deseja estão apenas começando.

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