sábado, 6 de outubro de 2018

Leis estaduais 'custam' até R$ 4 milhões e têm relevância duvidosa

Quando Leonardo Sales escutou no rádio, em 2017, que a Câmara Legislativa do Distrito Federal havia acabado de aprovar uma lei decretando o "Dia do Goiano", achou que valeria a pena pesquisar: o que fazem exatamente as Assembleias Legislativas do Brasil? Será que o dinheiro público investido nelas está sendo gasto de modo eficiente?

Sales, que fez mestrado em Economia na UnB, trabalha na Controladoria Geral da União e mantém um blog sobre análise de dados, se pôs a analisar os gastos das 27 Casas estaduais em 2016 e descobriu que, se dividida a despesa anual de algumas das assembleias pelo número de projetos aprovados, vê-se que a aprovação de uma lei chegou a "custar" R$ 4 milhões em dinheiro público.

Depois, ele fez uma análise qualitativa das leis aprovadas, e os resultados tampouco foram animadores: boa parte dos projetos dizia respeito a meramente criar datas comemorativas ou declarar ONGs como de utilidade pública.


"Eu já imaginava que a produtividade seria baixa, mas me surpreendeu a pouca importância e as amenidades dos temas tratados nas leis", opina Sales à BBC News Brasil. "O custo é muito alto - foram mais de R$ 9 bilhões em 2016 para as 27 assembleias -, e o que estão gerando de resultado é bastante questionável."

A eleição presidencial é o foco principal das atenções, mas é bom lembrar que em 7 de outubro votaremos também para eleger 1059 deputados estaduais ou distritais, para as 26 Assembleias Legislativas do Brasil e a Câmara Legislativa do DF.

A Constituição é vaga: deixa aos deputados estaduais tudo o que não é competência dos municípios ou do governo federal, o que acaba relegando às assembleias as atribuições menos claras, segundo especialistas. Ainda assim, há funções importantes a serem realizadas, como produzir leis estaduais e fiscalizar o trabalho dos governadores.

Para seu estudo, Sales levantou tanto dados orçamentários (despesas totais das assembleias, gastos com pessoal ativo, limite de despesas de gabinete de deputados, entre outros) quanto da atividade legislativa (número de deputados, número de leis ordinárias aprovadas, número de sessões ordinárias realizadas e conteúdo das leis aprovadas).

Em diversos indicadores, há uma grande disparidade entre os Estados.

Em São Paulo, por exemplo, onde 269 leis ordinárias foram aprovadas em 2016, o orçamento foi de R$ 1,1 bilhão, para custear o trabalho de 94 deputados estaduais. No Rio Grande do Sul, o orçamento e a aprovação de leis foram a metade disso: R$ 568 milhões para 55 deputados, com a aprovação de 136 leis.

Fazendo uma conta simples, chegou-se, nesses Estados, a R$ 4 milhões "gastos" para cada lei aprovada.

Em contrapartida, Goiás foi o Estado que, sob esses critérios, mostrou-se proporcionalmente mais produtivo: 380 leis, com um orçamento de R$ 323 milhões. Cada lei goianense custou "apenas" R$ 850 mil.

A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) afirma que tem reduzido os valores de seus contratos e que o trabalho dos deputados pode ser fiscalizado pelos cidadãos. A BBC News Brasil também consultou a Assembleia gaúcha, que não respondeu até a publicação desta reportagem.

Mas o próprio Sales aponta que o "custo" das leis é apenas uma entre diversas formas de avaliar a produção da assembleia. Afinal, do que tratam as leis aprovadas?
Lei do 'Dia de Equipamentos de Terraplenagem'

Montando uma base de dados com as 4,6 mil ementas de leis estaduais aprovadas no Brasil em 2016 e analisando-as com base em palavras-chave e padrões semânticos, eis o que o pesquisador descobriu: 35% das leis eram destinadas à regulação de programas ou serviços públicos, modificações orçamentárias ou tributárias. São as leis que, na avaliação de Sales, parecem ter o caráter mais relevante e inovador para a vida pública.

"Os 65% restantes se referem a amenidades, como atribuição de nomes a logradouros, criação de datas comemorativas e concessão de títulos a pessoas e entidades ou (ligadas à) própria gestão burocrática estatal, como reestruturação na carreira dos servidores e alterações na configuração dos órgãos públicos", escreve o pesquisador.

Entre elas estão a Lei 14.867, que determinou a criação do "Dia da Igreja Mundial do Poder de Deus", na assembleia gaúcha; a Lei 16.088, que instituiu o "Dia do Operador de Máquinas e Equipamentos para Terraplenagem" no território paulista; e a Lei 16.091, que deu o nome de José Ariovaldo Gava a um viaduto de uma rodovia no interior de São Paulo - cada uma delas àquele custo de R$ 4 mi que mencionamos acima.

No Distrito Federal, a lei que motivou a pesquisa de Sales, do Dia do Goiano, teve um "custo" de R$ 1,8 milhão.

Além disso, boa parte das leis "amenas" serve para um único propósito: declarar ONGs como sendo de "utilidade pública". É um tipo de lei aparentemente inócuo, mas que, na prática, permite que essas organizações recebam recursos públicos estaduais sem a necessidade de licitação, além de receberem algumas vantagens tributárias. Só em Minas Gerais, por exemplo, foram aprovadas 360 leis do tipo em 2016.

E quanto à fiscalização do Executivo, uma das atribuições mais importantes de uma Assembleia Legislativa?

Segundo Sales, há poucos indícios de que essa fiscalização tenha sido rígida no ano analisado (2016): em nenhuma das 27 assembleias as contas dos governadores foram reprovadas ou questionadas, por exemplo. Ele tampouco encontrou muitos exemplos de obras do Executivo estadual que tivessem sido paralisadas a pedido do Legislativo para se avaliar sua prestação de contas.

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